A opinião de ...

A felicidade não se calcula

Vivemos tempos em que tudo se mede. Contamos passos, calorias, horas, rendimentos, seguidores. Tornámo-nos peritos em calcular, mas esquecemo-nos de pensar. E quando a vida se resume a números, já não é caminho, mas tarefa; já não é projeto, mas rotina.
Freud recordou-nos que, na raiz, somos animais. Procuramos prazer como quem busca um abrigo rápido contra a dor. Mas cedo percebemos que o prazer, quando elevado a bússola da existência, engana. É chama que aquece por instantes, mas queima por dentro. A dopamina, esse lampejo químico que nos agita, é imagem desta ilusão: dá-nos intensidade, mas não dá plenitude; excita os sentidos, mas deixa vazia a alma.
Adler apontou-nos outra via: a felicidade como poder. O poder de decidir, de influenciar, de ocupar o nosso lugar no mundo. Mas também aqui o deserto espreita: quem se alimenta apenas de poder nunca sacia a sua fome. Há sempre um degrau acima, alguém mais forte, mais visível, mais reconhecido. O poder promete segurança, mas instala inquietação. É como beber água do mar: quanto mais bebemos, mais sede temos.
Do prazer ao poder, percebemos a mesma armadilha: a promessa de plenitude transforma-se em vazio. E, no entanto, há uma terceira possibilidade. Viktor Frankl, médico e prisioneiro dos campos de concentração, descobriu-a em meio ao horror. Observou que sobreviviam não os que tinham mais prazer ou mais poder, mas os que tinham um sentido. Uma razão para se levantar a cada manhã. Uma pessoa a amar, uma missão a cumprir, uma esperança a guardar.
Frankl ensinou-nos que a felicidade não é uma emoção passageira, mas uma direção. Não é intensidade, mas fidelidade. Ser feliz é encontrar um porquê que nos ajude a suportar qualquer como.
É aqui que cada um de nós é chamado a construir a sua melhor versão. Não na acumulação de estímulos, não na ânsia de controlar, mas na coragem de perguntar: qual é o meu sentido? Que vida quero entregar ao mundo? Que marca quero deixar nos outros?
A felicidade não é um cálculo — é uma resposta.
Não se mede — descobre-se.
Não se consome — constrói-se.
Talvez seja este o apelo mais urgente do nosso tempo: levantar-nos do ruído das métricas, da pressa dos prazeres e da vertigem do poder, para reencontrar o silêncio em que a vida nos pergunta, com simplicidade desarmante:
Serás capaz de escolher viver com sentido?

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