Não temos tempo para perder tempo
Esta é a maior das verdades: o tempo é uma ampulheta que não pára e que nos exige ser tudo, no tudo do tempo e no tudo da vida. Esta consciência de finitude é essencial para compreendermos a necessidade cristã de conversão. Conversão é, antes de mais, um processo que nos possibilita e nos habilita a passarmos de uma vida de autorreferencialidade, mesquinha e medíocre, para uma vida marcada pela alteridade, pelo crescimento pessoal e pela santidade de vida.
O religioso é definido por Régis Debray (filósofo) como “um atleta-do-estar-junto”. Desde logo, estar junto de Deus e do outro. Repare: é um atleta. E o que entendemos por atleta? A palavra atleta, segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2008-2023, provém do grego athletés (lutador, campeão) e do latim athleta (lutador, desportista). Atendendo à sua origem etimológica, o atleta é aquele que compete com esforço por um prémio. E qual é o prémio? É ser santo como Ele é santo (cf. 1 Pe 1, 15-16). Por outras palavras, é ser autenticamente feliz e realizado. Atenção: esta felicidade e esta realização não estão centradas na nossa autodeterminação ou no nosso esforço pessoal. Eu não sou o centro nem a centralidade do ser e do estar como tantos erradamente aclamam. É por dom e graça de Deus que, no meu sim, Ele opera este processo de transformação.
Vejam o que Nosso Senhor diz acerca dos critérios para o seu seguimento: “Se alguém quiser seguir-Me, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me. Pois quem quiser salvar a sua vida há-de perdê-la; mas quem perder a sua vida por minha causa, há-de encontrá-la. Na verdade, que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua vida? Que poderá dar o homem em troca da sua vida?” (Mt 16, 24-26). Eis o modelo: renunciar-se, abraçar alegremente a cruz e seguir o caminho de Jesus. Repare: não diz para seguir o meu caminho ou o que eu quero ou que desejo. Não é à minha maneira ou ao meu jeito, mas sim ao estilo, ao modo e ao jeito de Jesus.
É esta a conversão que o Senhor quer operar em nós: matar o egoísta que habita em nós, que nos domina e nos aprisiona. Desta morte, como num renascer das cinzas, nasce um novo eu, não igual ao que era, com as suas dores e com os seus medos, mas renovado e transformado a fim ser mais na vida e na história, de ser vida na vida das pessoas e luz no mundo cansado e doente. Sabeis, quando esta mudança começa a operar em nós, há algo que desaparece imediatamente: a queixa e o queixume.
Reconhecemos que queixar-se é inútil e que é um hábito de pessoas medíocres e inertes. Rapidamente compreendemos que uma vida de lamúrias e de lamentações não nos levam a nenhum lugar e que culpar os outros não nos vai redimir nem ausentar das nossas responsabilidades. Afinal, quem se importa com suas lamúrias? E por que deveriam? Nós somos o único responsável pela nossa vida, pelas nossas acções e pelas nossas escolhas. Por isso, o Senhor pede que paremos de nos fazer de vítima ou de esperar que o mundo resolva os nossos problemas. Nada disso! Saibamos arregaçar as mangas e enfrentar a realidade. O próprio Henri Ford (fundador da companhia automóvel Ford) dizia: “Não encontre defeitos, encontre soluções. Qualquer um sabe queixar-se”.
Na sagacidade que tanto nos habituou, o Papa Francisco, nas Jornadas Mundiais da Juventude em Lisboa, 2023, bradou aos nossos incautos ouvidos o que tanto precisamos de escutar. Disse ele: “Procurai e arriscai. Não nos alarmemos se nos encontramos intimamente sedentos, inquietos, incompletos, desejosos de sentido e de futuro, com saudades do futuro. Não estamos doentes, mas simplesmente vivos!”
Sim, vivos! O tempo não pára e eu não posso parar. Não tenhamos medo de ser mais, de ser vida nas vidas e não inferno na vida e nas vidas dos nossos irmãos. Ousemos sonhar tal como tão belamente afirmou Van Gogh (pintor): “Se ouvires uma voz dentro de ti a dizer ‘Tu não és um pintor’, então pinta sem parar, e aquela voz será silenciada”.
Não percamos mais tempo. Sejamos, portanto, ‘bom tempo’ e ‘tempo bom’ nas vidas que se cruzam e entrelaçam com as nossas vidas. Vamos a este desafio?