A opinião de ...

Um exemplo de generosidade e de confiança

Há dias tivemos a graça de escutar e de reflectir atentamente o trecho do Evangelho de Marcos (Mc 12, 41-44) em que nos apresenta uma viúva que “apenas” entrega no tesouro do Templo «duas moedas, isto é, um quadrante» (Mc 12, 42). Este trecho do Santo Evangelho transmuta-nos para o útero materno, para o lugar onde eu, apesar da minha total nudez e dependência, tudo possuo, tudo tenho, tudo me é dado. É o voltar à origem: voltar ao lugar onde crescemos na arte de amar e de esperar; uma esperança que nasce na confiança de encontro e de reconhecimento; de encontro com aquela que não vemos, mas que sentimos; de encontro com aquela que nos cuida, que nos ama, que nos faz sentir profundamente tão desejados. Ali, sem os “complicómetros” do intelecto e da razão humana, somos como que introduzidos na arte cega de confiar amando, de esperar sentindo e de cuidar dando. Aqui sou eu; sou eu como ser totalmente dependente e ardente de amor. O útero é o espaço por excelência da esperança e da confiança! Conseguimos, assim, vislumbrar o porquê desta pobre viúva entregar «tudo o que possuia» (Mc 12, 44). Ela confia! No acto maior da sua confiança ela revela o acto maior da pessoa humana, ou seja, o amor como centralidade e como gerador de generosidade pura, total e desinteressada. É a esperança como epifania maior, como um novo e distinto horizonte que se me abre, que se me dá a conhecer, onde eu reconheço que estou talhado, desde a origem, a aprender a despojar-me, a tornar-me livre, a libertar-me das capas honrosas e das máscaras fictícias que me impedem de ser eu mesmo, eu próprio. Eis o reconhecimento ôntico e a descoberta escatológica maior da existência humana.
Esta incondicional generosidade e total confiança na Providência é a grande boa-nova deste trecho do Santo Evangelho. Que coração grande tem esta mulher! Que Fé! Confesso que me sinto sempre “pequeno” perante tal profundidade espiritual. Este caminho de tudo dar e de tudo confiar, de se confiar a Deus sem “ses”, sem “mas” e sem “nins”, é o grande caminho da santidade. É trazer à realidade da vida quotidiana o dom maior e fundante da Fé, ou seja, o despojar de tudo e de mim mesmo para fazer e trazer ao de cima o dom da Graça, a presença pura e visível do Deus da ternura revelado totalmente em Jesus Cristo. Este “sim”, este “sim” do meu coração ao dom da Fé liberta-me, purifica-me, torna-me autêntico, totalmente genuíno.
Por vezes coro de vergonha quando no momento da coleta ou ofertório da Santa Missa, somos convidados à partilha generosa do que temos e possuímos e vejo que damos (e quando damos) a mais pequena das moedas! Damos sempre o que nos subjaz, as migalhas do que temos. Parece faltar-nos a coragem e a ousadia de tudo dar. De dar o que é importante para nós. De valorizarmos o sagrado como sagrado. Já deram conta que, quando convidados à partilha generosa dos nossos bens para Deus, julgamos sempre que tudo é muito e é caro!? Parece que as “coisas” Deus deixaram de estar no centro das nossas inquietações, preocupações e necessidades.
Como é importante este trecho do Santo Evangelho! Precisamos de regressar ao início, ao princípio, ao útero! A este lugar de descoberta, de encontro e de reconhecimento, onde eu me despojo da perenidade e me torno luzeiro da simplicidade, da pureza, da pobreza e da liberdade.

Edição
3709

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