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Bragança – «Certidão de Nascimento»

A 20 de fevereiro, Bragança celebrou 558 anos da elevação a cidade, solicitada pelo duque de Bragança D. Fernando e chancelada pelo rei D. Afonso V, em 1464. Argumento para recuarmos até Fernão Mendes, O Braganção, e à «Certidão de Nascimento» da então Vila.
Bragança tem uma existência milenar, onde emerge a origem celta dos Zoelae, a região assume-se na fase do Império Romano, dominada por duas fortificações existentes no actual cabeço de São Bartolomeu e no morro do Sardão. Com o surgimento de reinos do Norte da Europa, como os Celtiberos, Visigodos e Suevos, no século V, a invasão dos mouros do Norte de África, a partir do século VIII, e as subsequentes guerras entre cristãos e muçulmanos, o Nordeste tornou-se zona de disputa, sofrendo depredações e devastação. Entretanto, revela-se o topónimo aproximado ao actual: Vergancia, no concílio de Lugo (569 d.C), no tempo dos suevos, Bregancia, na divisão administrativa do rei visigodo Wanda (666 d.C) e Bregantia, de acordo com a escritura de Astorga (ano 974).
Recupera a partir do século XI, através da família dos braganções, que assumem a suserania do território, com sede em Castro de Avelãs, onde se fixaram monges beneditinos e ali fundaram um mosteiro. Em particular com Fernão Mendes, o quarto da linhagem, cunhado de D. Afonso Henriques por casamento com a irmã Sancha Henriques. Aquando do confronto pela Terra Portucalense, entre os senhores locais, apoiados no príncipe D. Afonso Henriques, e os galegos dos Trava e de D. Teresa, o braganção Fernão Mendes apoia o príncipe e torna-se um dos seus mais fiéis vassalos. Vencedor em São Mamede (1128), D. Afonso Henriques funda Portugal e estende o território do Mondego até ao Tejo e daqui ao Baixo Alentejo, num processo politicamente ambicioso e militarmente arrojado. Em todo este contexto, Fernão Mendes é uma figura importante. Senhor de Trás-os-Montes e de parte da Beira Interior assume, a partir de 1130, o encargo de guarnecer os locais de fronteira, através da edificação de fortalezas estratégicas e de povoamento das localidades. Relativamente a Bragança, urbe insipiente e espalhada pelo vale a Noroeste do actual castelo, é redefinida a sua implantação para a quinta de Benquerença, iniciando-se a construção de um sistema amuralhado no «Cabeço da Vila». Plantada num local altaneiro, com duas descidas abruptas, a Sul e a Leste, em direcção ao rio Fervença, a segurança afirma-se. Situada num ponto de confluência de duas vias militares romanas, relaciona-se com Leão, através de Astorga, e com Braga, a cuja diocese pertence, além de deter a prerrogativa de cobrar direitos alfandegários e de portagem sobre pessoas e bens. Como o espaço favorece a agricultura e a pastorícia, os bens de primeira necessidade estão garantidos.
Fernão Mendes vai garantir nos trinta anos seguintes (morre em 1160) a segurança, o desenvolvimento e o bem-estar da região através de uma conduta política biunívoca, mas convergente: com Afonso VII de Leão desenvolve relações de cordialidade e boa vizinhança; a D. Afonso Henriques garante lealdade política e auxílio militar. O que atesta, no primeiro caso, a não intromissão do rei de Leão nas terras do braganção e, no segundo, a sua presença na hoste de D. Afonso Henriques em operações militares contra os mouros sempre que necessário, como aconteceu em Ourique, na batalha travada a 25 de julho de 1139, na cora de Beja, onde a sua conduta guerreira se destacou e lhe mereceu o epiteto de «O Bravo». Vitória que motiva D. Afonso Henriques a cingir a coroa régia.
Através de Fernão Mendes podemos dizer que Bragança teve a sua «certidão de nascimento». Será com D. Sancho I, que lhe passou Carta de Foral em junho de 1187, que a vila brigantina recebe a «cédula de batismo». A partir de então, Bragança é a atalaia que controla uma imensa região, mas esta é uma outra história.

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