A opinião de ...

Há mar e mar…

Tinha sete anos quando pela primeira vez vislumbrei o mar. Não lhe achei graça, meteu-me medo, aquele mar de Matosinhos pura e simplesmente perdia relativamente ao mar sonhado através do ouvido na aldeia de Lagarelhos. Ao dia de ver o mar sucedeu a noite, bem mais alegre e garrida, no arraial em honra do Senhor de Matosinhos comi farturas, andei nos cavalinhos e o meu benquisto Tio Francisco ofereceu-me um biciclista de madeira dotado de campainha de modo a avisar os distraídos da iminência de choque. Entre o mar e a terra preferi a certeza de pisar terreno firme. Rodaram os anos, outros mares fui vendo, da fraca impressão sofrida pelos pés na localidade entendida como marisqueira do Porto, até ao refrigério das águas do hemisfério sul, aprendi a gostar do mar, a retirar apaziguamento contemplando-o, a recontar nostálgico os anos, a perceber a imensidão da minha ignorância no contraponto com tudo quanto ele acumulou ao largo de milhões de anos. Afago o mar nos dias calmosos, recrio-o lendo obras de todas as épocas, escolas, tons e sons, talassa exclamou o herói de Homero, Alexandre descendente de Santo António, muito citado e pouco lido advertiu através do mar, era poeta humorado, como tive o privilégio de presenciar. O esplendoroso mar nos últimos tempos tem batido fragorosamente nas nossas costas ameaçando dar-nos cabo do canastro (desculpem o calão) porque está cansado de aturar os nossos desmandos para com ele. Ciclicamente avisa-nos dos desatinos cometidos a fazerem perder a paciência a um Santo, não o sendo, antes pelo contrário, é propenso a cóleras, revela estar possuído de fúria derrubadora de espessos paredões e barreiras a eito, em todo o lado. Entre lágrimas e suspiros, imprecações e lamentos esperamos o seu regresso à calma de modo a voltarmos ao remanso quotidiano aguardando uma aberta soalheira a fim de voltarmos a espreguiçarmo-nos nas praias. Só que, desta feita, o visto revela a fuga da areia deixando a descoberto calhaus manifestamente pouco qualificados para serem colchões ao ar livre. De quem é a culpa? De todos no geral, dos governantes em particular. Os crimes cometidos contra o mar nos últimos cinquenta anos prescreveram no tocante a apuramento de responsabilidades, no entanto, ao invés da indefesa vítima sem possibilidades para exigir a conveniente reparação, o mar é dono de descomunal força a dar-lhe possibilidades de se vingar, o que está a fazer. No caso em apreço a vingança é servida fria e salgada.

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