A opinião de ...

Os desperdícios das eleições

Se o assunto dos votos desperdiçados já era pertinente antes das eleições, parece-me que, agora, é muito mais.
No distrito de Bragança o caso é paradigmático, com 21576 votos a não contarem para nada (entre os partidos que não elegeram e os brancos e nulos).
Há muito se fala na ideia de, por exemplo, os votos em branco poderem contribuir para (des)eleger na mesma medida em que os votos ‘normais’ elegem. O escritor José Saramago defendia essa medida como forma de materializar o voto de protesto que, nestas eleições, beneficiou largamente o Chega.
No domingo, foram 567.930 os votos que foram diretamente para o lixo, segundo o site ‘O Meu Voto’, citado pelo Público, o que corresponde a 9,76% do total de boletins depositados em urna.
Ainda de acordo com o Público, o partido mais beneficiado com o atual sistema foi... o PS. Apesar de terem perdido expressão parlamentar, os socialistas conseguiram eleger deputados em todos os círculos eleitorais, pelo que todos os votos no PS contribuíram para a eleição de um deputado. Foi o único dos três grandes partidos a consegui-lo. O Chega não elegeu em Bragança, apesar dos 14 288 votos, o equivalente a 1,06% dos votos no partido. Já a AD não elegeu nenhum deputado pelo círculo de Portalegre, apesar de ter tido 15 458 votos neste distrito (o que corresponde 0,81% dos votos válidos na coligação).

Em sentido contrário, o partido mais prejudicado tem sido o Bloco de Esquerda. Segundo o mesmo artigo do Público, a dispersão de votos no partido por todo o território nacional fez com que 75% dos votos não contassem (dos 119.211 votos recolhidos, 89.297 não contribuíram para a eleição de nenhum deputado).
Urge, por isso, encontrar uma solução para este problema. Que deve começar por suscitar o debate.
Porque não é aceitável que o voto de dez por cento da população portuguesa que vota seja desperdiçado e a sua vontade não seja respeitada.
Dizia o Público que além de beneficiar os grandes partidos, o sistema dá primazia aos maiores círculos eleitorais, isto é, os mais populosos (e que garantem a eleição de mais deputados). Enquanto em Portalegre 41% dos votos foram desperdiçados, em Lisboa apenas 2,65% do total de votos não foram convertidos em mandatos. Esta é a quarta vez que Portalegre (precisamente o distrito que elege menos deputados: dois) surge como o círculo eleitoral com mais votos desperdiçados (seguindo-se os de Bragança e Beja, também estes distritos com pouca população e que por isso atribuem menos mandatos: três em ambos os casos).
Ou seja, até nisto das votações há portugueses de primeira, os das grandes cidades, onde o seu voto conta sempre, e de segunda, os do Interior, onde nem sequer o seu voto conta para nada.

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