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Memórias do 25 de Abril IV: II fase – do 16 de Março ao 25 de Abril de 1974

Vencida a luta pela revogação por parte do Governo, em 22 de Dezembro de 1973, dos decretos-lei 353/73 e 409/73, vai iniciar-se a II fase do Movimento, até 16/3/1974, caracterizada pela unidade dos oficiais do mesmo em torno da ideia de acabar com a guerra colonial. A terceira fase ocorrerá a partir de 16 de Março de 1974, caracterizada pela luta ideológica interna entre comunistas e não comunistas, pela preparação definitiva do golpe militar e pela definição do Programa do MFA. Deste, falaremos no próximo e último número.
Por ora, ater-nos-emos ao desenvolvimento interno do Movimento que conduziu ao MFA: (Movimento dos Capitães, até 1 de Dezembro de 1973; Movimento dos Oficiais das Forças Armadas, daí até 5 de Março de 1974; e MFA, a partir desta data.
A revogação dos decretos-lei contestados gerou divisão no seio dos oficiais. A maior parte queria ficar por ali. Porém, três acontecimentos motivaram a continuação da luta em termos políticos e militares.
O primeiro ocorre na cidade da Beira, em Moçambique, entre 14 e 17 de Janeiro de 1974: centenas de pessoas da população local, orientadas por elementos da PIDE/DGS, manifestam-se e insultam as Forças Armadas, acusando-as de não defenderem as populações. Os oficiais revoltam-se exigindo um desagravo e ainda a discussão da linha da negociação do fim da guerra colonial. Estas iniciativas são publicitadas na imprensa internacional e unem cada vez mais os oficiais do Movimento, que se reúnem com o General Spínola. Nesta sequência, no dia 5 de Fevereiro, os oficiais decidem adotar um programa político entregando a sua redacção ao tenente-coronel Costa Brás, aos majores Melo Antunes e José Maria Azevedo e ao capitão Sousa e Castro. O jornal a República transforma-se no órgão de divulgação das acções do MFA sob redações metafóricas por causa da censura.
O segundo acontecimento é a publicação do livro do General António de Spínola, no dia 23 de Fevereiro de 1974, Portugal e o Futuro. Spínola defendeu a negociação política da guerra e da independência dos povos e a publicação transforma-se num best-seller. Neste élan, no dia 5 de Março, 194 oficiais reúnem-se em Cascais e decidem rebaptizar o MOFA para MFA. Aprovam ainda um documento intitulado «O Movimento, As Forças Armadas e a Nação». No dia 9, ocorrem as primeiras detenções, o que constitui o primeiro momento do terceiro acontecimento: a prisão de Vasco Lourenço, Antero Ribeiro da Silva e Pinto Soares.
Num Governo em agonia, no dia 14, as chefias militares vão a S. Bento jurar fidelidade ao Presidente da República e ao Primeiro-Ministro, ficando conhecidas como a «brigada do reumático». Na sequência, nesse mesmo dia, dá-se o segundo momento do terceiro acontecimento: os Generais Spínola e Costa Gomes são exonerados das suas funções.
Numa reacção precipitada, a meu ver, à Spínola, ocorre, no dia 16, o que ficou conhecido como o golpe das Caldas da Rainha mas que tinha mais duas unidades associadas: a da Escola Prática de Infantaria de Mafra, que chegou a sair, recolhendo pouco depois a quartéis, e a da Companhia de Comandos 4042, em Lamego, que não chegou a sair, oficialmente «por as viaturas terem sido sabotadas». Não me pareceu que fosse essa a razão mas sim uma tentativa de Spínola se servir de oficiais das suas relações para se livrar dos «comunistas» do Movimento e de Costa Gomes e de limitar a ação à luta pelo fim da guerra colonial. E a ideia, em Lamego, sendo traição ao MFA, não foi bem recebida. Spínola era mesmo considerado mau militar, mau político e pouco inteligente.
Cento e vinte e quatro oficiais, ao todo, foram presos ou transferidos de unidade militar, o que constituiu um rude golpe para o MFA, cujos dirigentes, à pressa, trataram de organizar o golpe de Estado antes que os seus movimentos fossem conhecidos. A manutenção do sigilo e a preparação deve-se a homens da guerra, que já dominavam as técnicas de propaganda e anti-propaganda, o que associado à experiência do Partido Comunista, garantiu o sucesso e o mérito da operação militar, mesmo assim com muita sorte e heróis à mistura.
O ambiente era cada vez mais favorável ao golpe e, em 29 de Março de 1974, no I Encontro da Canção Portuguesa, no Coliseu dos Recreios, são introduzidos muitos elementos (letras e músicas) não previstas. A PIDE intervém mas as 5000 pessoas presentes resistem e cantam «Grândola, Vila Morena».
No plano militar, Otelo, Vítor Alves, Sousa e Castro, Ramalho Eanes, Almeida Bruno e Matos Gomes e outros preparam o golpe. Marcelo Caetano, desesperado, chama Spínola e Costa Gomes ao Vimeiro, na primeira semana de Abril. Diz-lhes que ele não pode fazer nada para melhorar o regime mas que eles podem, se quiserem. Entendem a conversa como um desafio e não julgavam possível sair dali em liberdade. Caetano, nas suas memórias, no Brasil, confirma esta versão: não foi uma autorização mas também não foi uma proibição e, por isso, só terá aceitado render-se perante um dos dois, no dia 25 de Abril. Costa Gomes confirmará esta história, em pleno «Verão Quente» de 1975.
A operação «Viragem Histórica», como Otelo a designou, estava em marcha. No próximo e último número, analisaremos alguns detalhes e o seu Programa Político. Faremos ainda referência aos protagonistas em Bragança.

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