Marcelo Rebelo de Sousa
Chegados aqui, ao último Outono em que Marcelo Rebelo de Sousa é o nosso Presidente da República, estamos todos um pouco desejosos de que as eleições para o PR passem depressa. Muitos, não tanto porque queiram ver uma cara nova em Belém, mas porque já não suportam ver nem ouvir MRS nas tvs, nos jornais ou em cerimónias e discursos. Desde os que nunca lhe tinham perdoado o episódio da vichysoise e o não queriam como PR, aos que acham que traiu a direita que nele votou, aos que entendem que deveria ter colocado princípios morais cristãos acima do seu entendimento dos deveres de Estado na promulgação de leis. Há, até, os que agora só apontam a sua popularidade em queda, o seu legado político de caos em diversos sectores e no próprio sistema, a deriva popularucha da sua prática como uma forma baça de verniz político que terá, duma vez por todas, desfeito um mito de professor sério e académico profundo. Há já artigos em que é votado para um lugar certo no oblivion, vaticínios de que nem numa nota de rodapé figurará nos livros de História. Eu não tomo nada disto como certeza, porque se há coisa impossível de prever é o futuro e até os profetas carecem de interpretação a posteriori sobre se os seus vislumbres estariam a querer dizer o que disseram.
Uma coisa é certa: Marcelo Rebelo de Sousa foi Presidente da República durante todos os mandatos que quis e foi-o com os votos da maioria dos portugueses. Votámos nele. E chegados a este último Outono em que Marcelo é o nosso Presidente da República, deveríamos questionar-nos numa coisa essencial antes de nos decidirmos quanto ao nosso voto no próximo: e se, em vez de MRS, tivéssemos tido como PR um dos outros que contra ele concorreram? Ah! Pois é! Já pensámos bem nisso? Já reparámos que ser “presidente de todos os portugueses” é também decidir pela cabeça dos que não votaram como nós e conseguir que o brandir da espada só seja feito se todos, em conjunto, estivermos em causa como país e nação? Bastará imaginarmos nessa cadeira qualquer um dos outros para podermos imaginar-nos numa distopia ou, até, num filme de terror…
O mandato de Marcelo pode estar a terminar de forma deprimente para alguns, em parte pela sucessão de casos em que a nossa incompreensão não atinge muitas das razões das suas escolhas e preferências (a começar pela duma escritora que não gosta de Portugal para discursar no último 10 de Junho), mas há uma coisa, uma toada de fundo, que me fez pensar antes de condenar o PR pela espuma dos acontecimentos. Que tem a ver com o facto de que, em muitas das questões em que a nossa vontade seria a de que MRS tivesse tomado uma opção diferente, o que teria acontecido se o tivesse feito: as consequências teriam sido melhores?
Eu gostei das vezes em que Marcelo veio a Trás-os-Montes fazer mais do que selfies: veio por crer que Portugal é também aqui e, numa atitude até humilde, de dizer aos quatro ventos que para ser completa e íntegra a sua acção, lhe urgia colocar-nos como peças essenciais no puzzle que é o nosso País. Peças essenciais no espaço, o do nosso Nordeste, no tempo, o do nosso presente mas também passado, e o da nossa pluralidade de visões de Portugal. Fundiu num mesmo discurso a sua memória e perspectiva e as dum grande trasmontano como foi Camilo de Mendonça, na comemoração do seu centenário. Só por este seu gesto enorme, que a si fez enorme por ter conseguido uma síntese entre amigos e detractores, esquerda e direita, passado e presente, valeu a pena ter tido o nosso voto, dos que vivemos aqui. Só por esse discurso valeu a pena o seu mandato. Um discurso em que esteve Portugal, o de antes, o de depois, e o que virá. Pelo menos no que ao meu voto diz respeito.
A França está o que nós sabemos e, nos últimos anos, a nossa querida vizinha Espanha tem-se visto a braços com um governo socialista, extremista e corrupto. Há poucos dias houve um cronista, José F. Peláez, que, no ABC, escrevia que “Si alguien aún dudaba de la superioridade de la monarquia parlamentaria frente a la república, solo há de mirar hoy a Francia y a España para salir de dudas. En Francia, Macron, presidente y líder de un partido, se ve obligado a ser actor y árbitro a la vez. Su figura, no une: divide.” O contrário da dum Rei. Dizem alguns, com justa certeza, que o melhor republicano de Espanha é Filipe VI, porque nem fala nem está presente como árbitro. Está-o como instituição e afirmação do povo de Espanha. Dou por mim a considerar, como já por vezes o fiz, que o melhor dos nossos Presidentes é quando se portam como Reis, quanto afirmam a instituição e Portugal, em vez de serem àrbitrozinhos dos jogos de freguesia dos partidos.
Os mandatos de Marcelo Rebelo de Sousa valeram pelas vezes em que soube ser Rei. Como quando veio a Trás-os-Montes. Oxalá que o nosso próximo Presidente também o saiba ser.
