A opinião de ...

Os jeireiros da bola

Quem tem ligações ao meio rural e à atividade agrícola, sabe muito bem o que é ser jeireiro, ou mesmo jornaleiro.
“Andar à jeira” é muito comum na atividade agropecuária, recebendo os jeireiros/jornaleiros, no final do dia, a sua jorna, ou seja, a retribuição do esforço e do seu labor diário, na sequência das tarefas que lhe são propostas pelo patrão. Toda gente sabe o valor monetário da jeira.
Tenho, desde criança, uma representação positiva dos jeireiros, até porque sou oriundo de uma família de agricultores e cresci ligado à lavoura, a cuja atividade ainda dedico algum do meu tempo livre.
Tendo em conta a evolução dos tempos, apesar de existir uma elevada taxa de desemprego, torna-se difícil, hoje em dia, arranjar um jeireiro/jornaleiro, o que dificulta a realização de múltiplos trabalhos e encarece a respetiva produção.
Porém, noutros mundos e noutros universos, parece não ser difícil encontrar jeireiros, ou que ande á “torna jeira” O contexto desportivo e, particularmente o futebol, não são exceção. Antes pelo contrário.
Num clima de aproveitamento do “sistema”, parecem ser inúmeros os casos em que o jeito de ser e estar no desporto dos “jeireiros da bola” encaixa na perfeição. O importante, para eles e para quem lhes cauciona a sua atividade e influência, da qual tiram proveitos, é que a representação social seja, aos olhos do povo, de pessoas disponíveis, voluntariosas e de entrega “gratuita” àquela que, teoricamente, é a nobre causa de promoção e gestão desportiva.
E, na verdade, mexem-se de tal maneira, sobretudo quando não são contrariados e lhes permitem todo o tipo de tropelias e “influências no regime”, que até são elogiados publicamente e alvos de homenagens circunstanciais.
De facto, formalmente, aos olhos de quem não quer ver, refletir, ou contrariar este estado de coisas, instalado num ambiente de negligência confrangedora, tudo corre “quase” sobre rodas livres, ultrapassando os limites dos conceitos morais, éticos, de honestidade e, consequentemente, de honra.
Às vezes custa-me a entender como pode o desporto desenvolver-se de forma séria e sustentar-se nos valores que lhe são inerentes, se a envolvência em que sobrevive está podre e os desvios à respetiva filosofia são tão evidentes.
E se há alguns, de cuja jorna poucos têm conhecimento, muito menos o fisco, mas que dela de “abotoam”, outros há que, evidenciando um esforço e uma dedicação, questionáveis, fazem da jeira, ou da torna jeira, uma prática decorrente do seu estatuto, não só para granjearem algum mediatismo, efémero, diga-se em abono da verdade, mas também uma insustentada notoriedade que, de outra forma social e profissionalmente não conseguiriam, recorrendo, por vezes, a métodos de duvidosa seriedade, ao mesmo tempo que evidenciam uma confrangedora pobreza de espírito.
Este tipo de “jeireiros da bola”, sem remuneração numerária conhecida, procura até dar a ideia que estão singularmente dotados de qualidades e poderes especiais, imprescindíveis à causa pública. O que não é, obviamente, verdade. Mas dificilmente conseguem desvincular-se de aparentes comprometimentos ao serviço da ambições pessoais, politicas ou outras, dos próprios, ou de alguém “que servem”, posturas que não prestigiam o desporto, nem, tão pouco, contribuem para erradicar a corrupção, ou os “arranjinhos” que minam a imagem positiva e a necessária sustentabilidade.
O desporto e as movimentações no seu interior deveriam ser…outra coisa!...Séria, consciente e objectivamente clarividente. O seu valor e a inerente beleza devem emergir da genuinidade da sua pureza!...

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