A opinião de ...

A nossa “Casa Comum” (ainda e sempre, riscos globais e biodiversidade) - II

É fácil acreditar que o grande compositor Joseph Haydn, piedosíssimo, terá afirmado; «Nunca fui tão devoto como quando estava a trabalhar na Criação…todos os dias ajoelhava-me e pedia a Deus que me desse a força para terminar a obra com sucesso […] espero que permaneça por muito tempo”. Li no folheto distribuído pela Gulbenkian Música, na apresentação desta obra no auditório, em 13 e 14 de 20201: «Ao invés de uma abertura canónica, Haydn introduz a Representação do Caos, o nada do qual Deus criou o Mundo. Impressões sonoras sucedem-se de forma abrupta, harmonias ambíguas, cromatismos pungentes, retratam magistralmente o universo sem forma e vazio», ao qual Deus deu forma bela que pertence a todos os seres vivos. Viesse hoje ao Mundo Haydn e seria confrontado com a desgraça de ver as florestas, as montanhas, as planícies, os rios, os mares deste Planeta, e os animais que nele ainda habitam, tão mal tratados, por certo rogaria ao seu Deus que o devolvesse, laboriosamente, piamente, ao Paraíso a que ele ambicionava chegar. Merecidamente, diga-se.
Não me canso: andamos a delapidar o que a Natureza nos oferece; andamos a roubar-nos uns aos outros, porfiando por encontrar em cada espaço as riquezas que ela nos propicia. Seja nas montanhas europeias, esventrando-as, seja nos montes de África, catando-lhe, à custa de mulheres e crianças, metais nobres, seja nas florestas da Amazónia, capturando-lhe a frondosidade de milhões de árvores, seja nos mares, deles colhendo violentamente os animais que vão sucumbindo. Tendo como deus supremo, não um que nos ampare, um que nos conforte, um que nos dê a mão, um que nos guie – mas o consumismo – o que poderá suceder-nos, a nós humanos, a nós, seres vivos? Volto a Beja Santos, que citei no primeiro artigo com este título, transcrevendo: «Vivemos num grande e misterioso universo, mas a vida que nós, humanos procuramos levar é apenas uma parte do todo. A actividade humana está a empurrar o clima e muitos dos ecossistemas para o limite da sobrevivência». Quem não verifica que existe um equilíbrio frágil de todos os ecossistemas? Mais adiante diz o estudioso: «Apesar de vivermos numa economia global, a verdade é que o paradoxo é que se há obesidade, excesso e desperdício de comida nuns locais, noutros verifica-se, ainda, fome e miséria…as disparidades são gritantes…».
Que força, que coragem, é preciso para acabarmos este paradoxo global? No entanto, continuam os senhores do mundo a falar na proteção do Planeta, sentados nas catedrais do poder …ao lado, a guerra a todo o vapor…
A economia já não é social – será que algum dia o foi? – tornou-se, sim, exigente por força de quem detém os instrumentos que hipervalorizam o consumo, seja qual for a forma e dimensão.

1 Assisti, com a minha mulher, na Gulbenkian, a esta peça poucas horas depois de chegarmos de Angola, antes da declaração de alerta do COVID. Recomendo vivamente a audição desta música – que o nosso grande Torga apreciava, como refere num dos seus Diários.

Edição
3954

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