A opinião de ...

Que tempos são estes? (II)

1. Na última crónica – “Que tempos são estes?”, no ponto 2, atrevi-me a sugerir leituras que permitiriam preencher momentos de lazer, que, por força do cumprimento das normas sanitárias, e no uso da nossa condição de cidadãos atentos, habitualmente nos ligam à cultura, seja qual for a sua natureza. Certo é, apenas relembro, que a expressão “cultura” abrange um conjunto alargado de horizontes, de disciplinas, de saberes. Temos presente que “cultura” (em sentido amplo) é o que escreveram e escrevem os nossos romancistas e poetas (Miguel Torga, Pires Cabral, Sagué…), o que lançaram e lançam nas telas os nossos pintores (Nadir Afonso, Graça Morais, Josete Fernandes…), o que esculpiram e esculpem os nossos escultores (Amândio Gomes, Carlos Botelho, Manuel Barroco…), o que estudaram e estudam os nossos historiadores de ‘pedras’ por este nosso rincão (Abade de Baçal, Hermínio Bernardo, Nelson Rebanda…). Mas “cultura” é, igualmente, o fabrico dos trajos dos caretos, o canto dos poetas populares, as danças dos pauliteiros, as crenças e os contos, as línguas em que nos exprimimos, a gastronomia, a doçaria…Quero significar, enfim, que a “cultura” é o resultado das experiências, dos valores, das atitudes quotidianas, das histórias de santos e de santas, das relações espaciais, que vamos contatando e que nos vão enriquecendo.
Quem, de entre nós, não conheceu a sensação de, nas escolas que frequentámos – onde muito se aprende, é certo – haver matérias que foram, ou são ainda, um conjunto amontoado de factos e de nomes e de datas desprovidos de interesse? Quantos de nós, só mais tarde tivemos a percepção de outras riquezas culturais fora da escola, e cuja luminosidade nos despertou? Quantos de nós experimentámos o contato com outras regiões dentro do nosso País e com outros lugares por esse mundo fora?
2. O homem é um viageiro, um viajante – é homo viator! Com olhos de ver, pode o homem juntar-se a outros homens e mulheres, porque a sociedade contemporânea dispõe de meios de comunicação e de novas tecnologias, que facilitam a interação social. A escolha de lugares e de civilizações, tão facilitada, constitui uma possibilidade inigualável de o homem contatar diversas culturas. No entanto, é simples: a ler se viaja com Miguel Torga em os Diários, ou com Ramalho Ortigão em As Farpas, ou com Ferreira de Castro em A Selva, ou com Lídia Jorge em A Costa dos Murmúrios… Poderão ser o Mia Couto com Terra Sonâmbula, o Jorge Amado com Navegação de Cabotagem, o Pepetela com Mayombe… Têm os escritores, sejam apenas aqueles viajam nas suas obras, sejam aqueles que viajam fisicamente, o condão de nos arrastar, mesmo que sejamos resistentes ou sedentários, por espaços e vivências tão distintos, dando a conhecer o mundo que nos rodeia.
Por isso, a minha insistência para estes tempos: a leitura, que não está condicionada pela imposição sanitária. De obras literárias, de jornais, de revistas…Virá, brevemente, o tempo de visitar museus, de apreciar exposições, de ir ao teatro, de ouvir música ao vivo, de conversar, de conviver. Por agora, sejamos cumpridores, para ganharmos o regresso a uma ‘certa’ normalidade. Certamente, lendo.

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3830

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