A opinião de ...

A torneira deixou de deitar água

O meu neto veio a correr e, desesperado, informou-me: “avô, o chuveiro não deita água! Não há água? Como posso tomar banho?”
Eis um acontecimento que nos coloca várias questões: as alterações climáticas, decorrentes do modo como o homo sapiens sapiens tem utilizado os recursos naturais, a procura pelos desfavorecidos, que vêm do Hemisfério Sul e do Próximo e Médio Oriente, de ambientes onde não falte água ou onde haja paz e segurança (é que a luta por água é, em alguns países, fratricida). Como escrevia o Le Monde Diplomatique na sua edição portuguesa de Junho de 2023, no dossiê Políticas de Seca: “A água não é só um bem comum”. Neste dossiê – próprio de um jornalismo de pesquisa – são referidos diversos aspetos: “A guerra entre estados”, “o controlo da água pelas multinacionais”, “os chips que açambarcam a água”, “a captação dos recursos hídricos só beneficia um em cada vinte agricultores”, “os confrontos entre ambientalistas e agricultores”. No entanto, a água não é só problema a Sul, é um facto ambiental que está a transformar-se num facto histórico (tal como os nossos antepassados buscavam os locais próprios para viver, nem que fosse necessário fazer guerra): especialistas em sociologia, antropologia, psicologia, economia concorrem para uma nova fase da História do Homem. Um fenómeno para o qual apenas temos vindo a ensaiar soluções sem conteúdos concretos, com prejuízo de uma verdadeira política de planeamento das necessidades e da execução de infraestruturas que proporcionem equidade, e não sobreconsumo por alguns.
Faz sentido, creio, que para além da intervenção dos poderes públicos em matéria de planeamento, os comportamentos individuais mudem cento e oitenta graus. Aqueles, os poderes públicos, continuam a aceitar megaprojetos de grandes edifícios e enormes centralidades que prejudicam os ecossistemas. As multinacionais – nascidas no e do neoliberalismo – continuam na senda do consumismo, do lucro. Os comportamentos individuais desregrados, relativos ao consumo de água e de energia elétrica, contribuem consideravelmente para diminuir a carga hidrológica. Se não for mudado radicalmente o foco do consumismo individual, alterado a conceito de construção das redes de abastecimento e do controlo do consumo, e não houver uma rápida reestruturação da mentalidade socioambiental por parte das empresas, os episódios de seca prosseguirão de forma cada vez mais abrupta.
Quem pode assumir um papel importante neste espaço público? É exatamente a comunicação social. Há excelentes textos jornalísticos que alertam para a catástrofe que se avizinha, espaços televisivos que exibem lagos vazios, mirrados, e florestas ardendo, massas de pessoas deslocando-se. Há a realização de fóruns internacionais que pouco adiantam, mas são mea culpa de intenções não cumpridas.
Não será de todo uma solução, mas é interessante reter que o “jornalismo preditivo” – assente em dados concretos – é um método que utiliza dados estatísticos para produzir previsões, visando difundir informações rigorosas com impacte mediático e mobilizador dos poderes públicos, empresas e cidadãos.
O meu neto refletirá, já adulto (sonho meu): as gerações anteriores despertar as suas consciências. E abrirá a torneira, satisfeito, concluindo que a intergeracionalidade se cumpriu. Não precisou de procurar o cavalo de Samarra.

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3946

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