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Carnaval de Bragança, “rituais satânicos” e, crimes sociais

Se há eventos carnavalescos originais que fazem sentido para a promoção turística e preservação das tradições, são efetivamente os de Podence e, a “Queima do Mascareto” em Bragança, entre outros. Como diz o investigador Pinelo Tiza [2015], “o ciclo festivo do Inverno compreende, no Nordeste Transmontano, o período que se inicia no solstício e se prolonga até ao S. Sebastião, com maior incidência nos dias de Natal, Santo Estêvão, Ano Novo e Epifania. Aqui, continua o autor, “o sagrado e o profano surgem relacionados de forma “sui generis”. O mesmo não se pode dizer do evento “Bragança, Terra Natal e de Sonhos”, que acaba por ser mais um sucedâneo de outros produtos importados e, sem enraizamento na história local.
Dizer que “o Carnaval de Bragança se transformou num ritual satânico, à custa dos Caretos que nada têm a ver com o caso, isco para dar corpo e forma a um espetáculo degradante, que em nada representa a cultura do povo brigantino” [FERREIRA, 20/02/2023] é falso e insultuoso, pois deprecia as tradições de Inverno de Trás-os-Montes e, não quer perceber que se trata de uma “performance” artística, com a sua exuberância natural, para atrair pessoas, favorecer o comércio local e, preservar tradições que é isso que se pretende. Eu, também apenas vi as bonitas fotos do amigo Fernando Pimparel e, contrariamente, a quem tanto se enojou, gostei do que vi.
Quando li pela primeira vez o artigo em questão confesso que fiquei enregelado e, pensei: será que ressuscitaram a Inquisição e, eu não dei por isso? Então só vêm símbolos satânicos nas estrelas de 5 pontas e, nas mulheres com pés de cabra? Será que desconhecem a tão rica tradição oral transmontana? Para quem se escandaliza facilmente com estas coisas, recomendo a leitura do livro do estudioso Vinhaense Roberto Afonso, “(Às) Contas com Almas Penadas e Diabos, Bruxas e Maus-olhados”, pelo menos fica a saber que o confronto entre o bem e o mal são uma constante no nosso imaginário e, os mascarados sempre andaram por aqui lado a lado, entre o sacro e o profano.
Será que com a mesma objetividade conseguimos ver o diabo, nos contratos de trabalho temporário que se eternizam sem qualquer justificação? Será que não vemos o pai da mentira e do medo, na coação para não falar de assuntos sociais sérios que importam às pessoas da nossa região? E, o demo que se escondeu “na fuga dos impostos” e, na “venda danosa” das barragens do Douro? E, a fuga constante das instituições Brigantinas para o litoral, não é ela bem diabólica? E, o demo do comboio que teima em não passar por aqui? E, o mafarrico do despovoamento? E, o canhoto que se instalou com a falta de natalidade persistente? Neste fogo, onde não ardem bonecos de palha, nem se queimam pentagramas, mas pessoas, aqui sim o céu obscurece-se a cada dia que passa! Não serão os crimes sociais bem mais diabólicos, que um simples espetáculo preformativo? Não estará porventura nestes crimes o diabo bem mais enraizado? Porque teimamos em não o ver?

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