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Será legítimo intervir em edifícios que já foram sagrados?

Ao construir uma nova igreja, o Bispo Diocesano, ou quem se lhe equipare, dedique-a ao Senhor por meio de um rito solene, segundo um antiquíssimo costume da Igreja [1]. Dedicar, ou «consagrar» [2], uma igreja para a destinar, única e de maneira permanente, a reunir o povo de Deus e celebrar os sagrados mistérios [3]. Porém a dedicação, ou bênção, pode perder-se por derrocada completa da estrutura edificada, ou por redução permanentemente a um uso profano por decreto do Ordinário, ou de facto, sempre que seja de modo permanente [4].
A secularização das comunidades arrastou a perda de identidade histórica e arquitetónica e, decretou o encerramento de igrejas, por toda a Europa. Diminuíram as comunidades cristãs, abandonou-se a prática religiosa, deparou-se com um número excessivo de templos em zonas despovoadas de vizinhos e sem sacerdotes suficientes para os manter abertos, dificuldades financeiras reais, erros graves ou omissões na gestão patrimonial. A falta de verbas tem originado a demolição de muitas igrejas [França e Alemanha], enquanto outras são vendidas, ou resgatadas para um novo uso, por entidades públicas, ou privadas [Portugal, Espanha…]. A transferência de identidade patrimonial nem sempre é bem aceite pela comunidade dado o forte valor simbólico do edifício e, o uso menos próprio, no que respeita à ética e à arquitetura, quer para o edifício, quer para o seu entorno. Quantas igrejas se transformaram em “standes” de automóveis, pistas de “skate”, bares, unidades hoteleiras, sedes de bancos, discotecas, prontos a vestir, habitação familiar de luxo, bibliotecas, centros culturais... e nos questionam: será legítimo intervir em edifícios que já foram sagrados? 
Quantas igrejas não assistiram ao crescimento de cidades à sua volta, quantas não receberam personagens ilustres da história, ou abrigaram obras de arte ao longo de centenas de anos e, quantas das suas fachadas são história da arquitetura? [5].
Se não se puder reparar uma igreja, para o serviço do culto, o Bispo pode reduzi-la a «usos profanos», mas «não sórdidos» [c. 1222 § 1], ouvido o Conselho Presbiteral, com o consentimento daqueles que legitimamente sobre ela reivindicam direitos, e contanto que daí não sofra detrimento o bem das almas [§ 2].
Para salvaguardar património pode-se «reduzir a usos profanos» um espaço sacro e, não para «usos sórdidos», opostos à natureza do edifício, para evitar que a igreja não se “converta numa discoteca, num clube noturno”, ou em sede de comunidades morais-rituais incompatíveis com a fé católica [6]. O uso do edifício pode mutar, contanto que se mantenha vivo o património arquitetónico, e se preserve a sua matriz.
O ideal é que ao alienar uma igreja se preserve o património e, com ele a identidade histórico-cultural do povo, promovendo conjuntamente o inventário do espaço, das peças de arte, procurando por tudo manter o uso para fins celebrativos, reduzindo a escrito um acordo, de termos e condições.

[1] – PONTIFICAL, 1988, 11, 27; [2] - CDC, c. 1206, Madrid, BAC, 2014; [3] PONTIFICAL, 11; [4]; c. 1212; [5] – MARTINS, Fac. Arquitetura, Edifícios religiosos, 2019, IX; [6] – c. 1222.

Edição
3907

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