A opinião de ...

Da liberdade de pensar à liberdade de escolha

Depois de ler o mais recente livro de Bernard-Henri Lévy (“Este vírus que nos enlouquece”) – que, aliás, muito recomendo – fiquei maravilhado com a ousadia e a argúcia com que este filósofo contemporâneo soube abordar, quer do ponto de vista social, quer do ponto de vista político, o tão eclético, transversal e polémico tema do ´fique em casa’ e do ‘politicamente correcto’.
De facto, este ‘fiquem em casa’ não só trouxe ao de cima a animalidade violenta e egoísta desta contemporaneidade, como, igualmente, a assunção da ruptura da liberdade pessoal e, também, do ‘pensar diferente’ perante o imperialismo do ‘politicamente correcto’ que nos impõe e coarcta a nossa autonomia, a opção pela diferença e pelo debate sério e respeitável. Confesso que concordo com Henrique Raposo quando afirma que “se Trump é o maior ataque à decência, a esquerda politicamente correta e ‘identitária’ (tão identitária como o trumpismo) é o maior ataque à liberdade de pensamento dos escritores, dos académicos, dos jornalistas, dos humoristas. É um movimento quase religioso que está a destruir as faculdades e a inutilizar os jornais enquanto espaços de reflexão livre”.
Na verdade, liberdade é também ‘dizer não’. E ‘dizer não’ implica – sempre – argumentação e diálogo. Permitam que, a este respeito, vos mostre um caso muito específico sobre a disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica (EMRC) e o seu espaço na sustentação ético-moral das crianças e jovens em ambiente escolar. A escolha da disciplina é feita de modo facultativo e optativo. Não nos é imposta, mas proposta. E, pela minha parca experiência como pedagogo desta disciplina, apraz-me dizer que a escolha desta disciplina de EMRC é sempre adiada e/ou sempre escrutinada por uma opção profundamente subjectiva, pouco consistente e imatura do discente (e/ou do encarregado de educação). Os próprios encarregados de educação – imbuídos por este espírito do ‘politicamente correcto’ (e pela inercia missionária próprias do fiel crente) que apresenta dogmaticamente a espiritualidade e a vivência da fé como uma dimensão abstrata, subjectiva e emocional, e que torna as mais diversas manifestações do sagrado como iguais entre elas (sejam quais forem as religiões), permanentemente voltadas para a construção de um eu sem um Tu e projectadas para fruição e bem-estar, esquecendo-se de que o bem-ser e o bem-estar estão sempre correlacionadas e mutuamente implicadas – secundarizam a importância desta disciplina para a construção integral e integrante de um ser humano mais solidário, mais cívico, mais consciente e mais colaborante na edificação de uma sociedade que se quer mais humana e mais justa. Precisamos de saber ser diferentes! Apelo a todos os educadores que se unam contra o ‘politicamente correcto’ e saibam ajudar e contribuir, activa e positivamente, a este estar diferente, a este modo de ser e de estar à imagem do Sagrado Evangelho.
Retomando o eloquente Bernard-Henri Lévy, este instiga-nos a uma reflexão séria sobre esta ditadura camuflada e persecutória. “Será possível que este ‘fique em casa, salve vidas’, este ‘acomode-se a uma vida desvalorizada, tricotada com o fio da ausência, da higiene, do medo de si e dos outros’, signifique também: ‘sejam como vacas num prado ou, um dia, Deus queira que não, um rebanho de cordeiros prometido ao matadouro; silêncio no galinheiro; (!) comunguem na vossa animalidade reencontrada, enfim vegetariana, ‘vegana’, onde o lobo, quer dizer, o homem, se senta por fim ao lado do cordeiro’?”.
Deparamo-nos, “com entusiasmo ou resignação, à passagem do Estado-providência ao Estado-vigilância” (Bernard-Henri Lévy), numa mudança de ciclo em que o antigo ‘contrato social’ (perdes um pouco da tua vontade particular, ganhas uma vontade geral), muda para um ‘contrato vital’ (abdicas um pouco, muito, do essencial da tua liberdade – e em troca eu ofereço-te uma garantia antivírus). E, desta forma, deparamo-nos perante “uma ruptura com aquilo que durante séculos todas as sabedorias do mundo (...) se esforçaram por dizer: a vida não é vida se for apenas vida” (Bernard-Henri Lévy), pois “viver é a coisa mais rara do mundo e a maioria das pessoas apenas existe” (Oscar Wilde).

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