A brisa…
O vento é dos fenómenos naturais o que mais me fascina. Sempre adorei o arejo fresco que me contorna e molda a face. É como um afago vindo do futuro. Quando me encontro no cume das montanhas, que procuro amiúde, parece que a vista não se alcança se a atmosfera não mexe ou se o vento não aparece, como companheiro.
Quando releio escritos de Torga e vislumbro Galafura não imagino os sítios sem o mexer das árvores, as ravinas não se tornariam vertiginosas e agrestes sem o vento a empurrar-nos, as nuvens escuras não seriam medonhas senão bufadas pela correnteza dos ares.
A natureza parece espelhar alegria quando emite o brando vento como gracejo, quando ondula o mar, mantém o flutuar das gaivotas, esvoaça os cabelos e faz voar os chapéus dos incautos que se transformam em corredores forçados e hilariantes.
Mas quando os elementos não se entendem tudo parece acelerar e somos enredados em lutas desiguais contra guarda-chuvas não preparados para as intempéries actuais.
Hoje em dia conseguimos viajar sem sair de casa. Observamos o mundo esparramados num sofá frente a um qualquer ecrã. As televisões invadem o espaço privado e transformam as famílias em observadores forçados que, de tanto verem, se tornam insensíveis às catástrofes que assolam os mundos.
Dou comigo espantado com a ira dos deuses. Ventos ciclónicos atormentam os homens, algures em sítios de outras gentes. Lá, naqueles lugares para onde fui transportado por esta tecnologia, existem famílias que trocam afagos e que são iguais à minha. No entanto, parecem-me distantes.
È com terror que observo montanhas que desabam, prenhes de chuvas torrenciais. As lamas arrastam aldeias inteiras, em imagens holocaustas, e enterram para sempre centenas de famílias que, até ao momento, cultivavam a alegria e partilhavam a dor, tal e qual a minha. Sinto que é com covardia que mudo de canal ou desligo o aparelho.
Tudo isto me vem à mente em dia calmo, limpo e de atmosfera irrespirável. Estamos na actualidade numa qualquer quinta-feira em Verão dos infernos. Sente-se a mudança no ar. Não é necessário ser muito entendido para perceber que a natureza chegou aos limites. Os assassinos, predadores do eco sistema vivem impunes, gabando-se dos feitos. Dizimam as árvores que nos fornecem o oxigénio que, por sua vez, gera a chuva. Aniquilam de forma covarde animais selvagens que subsistem no planeta milhões de anos antes do homem e que sustentam a harmonia dos habitat. Poluem sem penalizações os rios que nos dão de beber, de comer e nos refrescam. Atafulham os fundos do mar com matérias radioactivas que, um dia, serão regurgitadas e espalharão o caos na cadeia alimentar. Invadem o espaço com gazes poluentes da industrialização.
Os Invernos sem água e o espectro de seca que amedrontam parte do mundo e Portugal não me espantam. É o corolário lógico da demência de todos nós e dos governantes por nós endeusados, que nada fazem para evitar a hecatombe do planeta. Basta olhar para eles, luzidios, engravatados e bem-falantes, com forma mas sem substância e, ao mesmo tempo, observar a implosão da natureza que invade os plasmas.
A não ser que o homem arrepie caminho prevejo o limiar da civilização planetária. De poltrona e copo na mão observo o diluvio europeu, as labaredas escaldantes na América, Canadá, Turquia, Grécia e um tufão algures no Pacifico. Vou sentir saudade da companheira de infância que me acariciava a face e a alma, a brisa…