A opinião de ...

Dorminhoco

No início do Advento, manda a tradição que nas casas portuguesas se faça o presépio. Vem de longe essa tradição, com características diversas mais ou menos populares. Na arte barroca, (século XVIII), os presépios foram do melhor que se criou em Portugal, particularmente na escultura que atingiu o auge com Machado de Castro. Ainda hoje no Museu do Azulejo em Lisboa, no Museu de Arte Antiga, na Sé de Lisboa, ou na Igreja de Nossa Senhora da Lapa em Sernancelhe, por exemplo, se podem ver alguns destes presépios, por vezes incompletos, mas que não têm paralelo de qualidade no nosso património.  

Em Nápoles ou em Sevilha há também uma forte tradição de presépios, mas nenhum chega à qualidade e à beleza dos de Machado de Castro e da sua escola, porque, ao contrário destes, não são esculpidos com o rigor e a beleza das figuras de Machado de Castro, particularmente quando representa figuras do povo, como pastores, ou mulheres com oferendas.

Património, em muitos casos mal tratado, delapidado, mas que permite ainda perceber a beleza saída das mãos do escultor. 

Estes presépios tinham não só regras de arrumação definidas como continham figuras que estavam obrigatoriamente no presépio, para além da Sagrada família e dos reis magos. Uma delas era obrigatoriamente o dorminhoco e essa figura importante desapareceu dos nossos presépios actuais.

Ele estava nos nossos presépios como está ainda, nos napolitanos, e é importante que esteja e que não haja presépio sem dorminhoco. As razões são evidentes e lógicas: no meio daquela festa tão especial do nascimento do Menino, por entre um enorme movimento para a gruta, de reis e pastores, de mulheres com oferendas, anjos anunciando a boa nova, ou músicos e cantores - há alguém que está ali e não dá por nada: o dorminhoco.

Até as estrelas se movem indicando o caminho! Mas o dorminhoco dorme indiferente a tudo, como se nada se passasse: sem acordar. Dorme serenamente (assim era representado) até o presépio ser arrumado para o ano seguinte.

Parece-me, pois, que num país indiferente, quantas vezes, numa Europa laicizada e onde se tenta reduzir o Natal ao consumo de uma festa pagã, fazem falta os dorminhocos no presépio. Representam muitos que não dão por nada e não se sabe quando e se darão por isso. O meu dorminhoco é napolitano, mas podia ser português se a tradição fosse o que era.

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