Nordeste Transmontano

Fim do financiamento do projeto BUPI abre guerra entre Câmara de Bragança e o Governo

Publicado por António G. Rodrigues em Qui, 2023-06-15 16:24

O fim do contrato de financiamento do projeto Balcão Único do Prédio (BUPI), responsável pela referenciação das matrizes prediais, levou a Câmara de Bragança a ameaçar encerrar o balcão já a partir do dia 01 de julho.

De acordo com o presidente do município brigantino, Hernâni Dias, o contrato com os Ministérios da Justiça e do Ambiente, no âmbito de uma candidatura a fundos europeus, termina esta sexta-feira. No entanto, a Câmara de Bragança compromete-se a manter o Balcão em funcionamento até ao final do mês (30 de junho), restando a incógnita a partir daí, para os oito funcionários que foram contratados para assegurar este serviço.

“Não temos qualquer informação sobre a garantia de continuidade. Temos vindo a trabalhar sobre o assunto para que não se verifique uma interrupção no seu funcionamento mas, da forma como as coisas estão colocadas, não me parece que isso seja já evitado”, frisou Hernâni Dias.

“Em termos de tempo, não será fácil, mesmo que houvesse esse compromisso da parte do Governo, de vir a financiar toda a despesa a partir do dia 30 de junho, não tenho a certeza se em termos legais o próprio município estaria em condições de promover alguma contratação neste período tão curto de tempo que impedisse que houvesse uma interrupção do funcionamento do BUPi. É uma perda enorme para as pessoas, sem dúvida nenhuma”, admitiu o autarca brigantino.

Até agora, a autarquia suportava 15 por cento dos custos e o Governo os restantes 85 por cento. Mas Hernâni Dias garante que é inviável para o município arcar com todas as despesas.

“Este BUPI custaria à volta de 300 mil euros por ano ao município para fazer um trabalho do Governo.

Os municípios são o parente pobre e são eles que estão a pagar ao parente mais rico. Isso não é justo.

Estamos disponíveis para continuar a assumir a nossa responsabilidade financeira, que são 15 por cento, mas não estamos dispostos para assumir a responsabilidade de cem por cento da despesa para fazer um trabalho que não nos compete a nós”, frisou.

Hernâni Dias diz lamentar “profundamente que o Governo não olhe para este processo devidamente e que não queira dar continuidade a um processo que ele próprio iniciou e que não está concluído”.

“Nem sob o ponto de vista da execução da identificação das matrizes nem da execução orçamental, o que é ainda pior. Se o dinheiro estivesse esgotado, era uma coisa. Mas nesta situação em particular, o financiamento ainda não esgotou, havia possibilidade de com o mesmo valor do financiamento continuar o projeto, pois a execução andará na ordem dos 40 por cento, e isso é ainda mais estranho porque não é por falta de dinheiro. Será por falta de vontade”, assegura o autarca.

O BUPi é um projeto que decorre em todo o país mas nem todos estão sob o espetro de encerramento.

Na Comunidade Intermunicipal Terras de Trás-os-Montes “há municípios em duas situações”, explica.

“Num caso, como é o nosso e o de Vimioso [ambos do PSD e que também admite encerrar o serviço], há contratos com empresas externas, que foram feitos de acordo com o que estava na candidatura, que era para terminar agora em junho, sendo que a execução deveria ser muito maior.

Noutros casos, pelo reduzido número de técnicos que têm, esses municípios afetaram recursos humanos que já tinham a esses projetos.
O que significa que aproveitaram os recursos humanos que já existentes e, como já estão dentro da estrutura dessas Câmaras, podem dar-lhe continuidade, assumindo a própria responsabilidade financeira.

No nosso caso, tivemos de contratar oito técnicos superiores e não é viável que, sem ser através de um processo concursal, se consiga meter alguém a trabalhar na Câmara.

Daí a impossibilidade de continuidade do projeto porque não podemos nem temos essa capacidade nem sequer a obrigação de financiar projetos que são claramente da competência do Governo, como é o registo cadastral”, justificou Hernâni Dias.

Governo garante que haverá financiamento em breve

Da parte do Governo, vem a garantia de que o problema do financiamento será resolvido “em breve”.

“O Governo está empenhado em assegurar, com a maior brevidade possível, uma nova fase de financiamento para os municípios inseridos no Sistema de Informação Cadastral Simplificado, que permita garantir as operações sem interrupção”, disse a Secretária de Estado do Desenvolvimento Regional, Isabel Ferreira, ao Mensageiro.
Em comunicado, a Secretaria de Estado da Justiça, que coordena o BUPi, esclareceu que já foram identificadas “1,5 milhões de propriedades, o que corresponde ao triplo da meta alcançada há um ano”. “Para este resultado contribuíram mais de 225 mil cidadãos, que já identificaram as suas propriedades, de forma gratuita e sem aumento de impostos.

Nos primeiros cinco meses de 2023, foram finalizados cerca de 500 mil processos, numa média de cerca de 95 mil por mês e mais de 20 mil por semana. Este valor corresponde a mais de 64% das propriedades identificadas em todo o ano de 2022. Apenas em maio deste ano, foram identificadas mais de 115 mil propriedades, num novo recorde mensal.

Estes valores revelam que a procura do BUPi tem vindo a crescer, tornando possível aumentar a percentagem de área conhecida do território dos 153 municípios de Portugal continental sem cadastro, em termos de uso, ocupação e dominialidade, num processo colaborativo que integra várias fontes de informação. Esta percentagem é agora de 75%, registando um aumento de 7% face ao último valor divulgado em abril deste ano, por ocasião do evento “Mapear o Futuro – Encontro Anual BUPi 2023”.
Resultado do contributo dos proprietários de terrenos rústicos, através da georreferenciação de propriedades no BUPi, foi já possível ultrapassar 20% de área de matrizes georreferenciada, em linha com o objetivo de atingir 30% de área identificada até ao final deste ano.

O BUPi está presente em 144 dos 153 municípios que não dispõem de cadastro predial, nos quais os cidadãos podem identificar as suas propriedades, online ou, presencialmente num balcão do município, estendendo-se aos 308 municípios a componente de registo, garantindo, assim, os seus direitos de propriedade, além de contribuírem para assegurar uma melhor base de conhecimento do território.

Quanto a Bragança, a autarquia frisa que o balcão em funcionamento no concelho, no Mercado Municipal, já georreferenciou mais de 43 mil matrizes rústicas, tendo alcançado recentemente o primeiro Prémio na categoria produtividade, com mais matrizes georreferenciadas no ano de 2022, no universo dos 153 municípios aderentes a este projeto.

Duras críticas por parte do PS
 
No entanto, a posição da Câmara de Bragança sobre a descontinuidade do serviço está a merecer fortes críticas por parte do Partido Socialista, com a presidente da Federação Distrital do PS e também deputada à Assembleia da República pelo distrito de Bragança, Berta Nunes, a acusar o autarca de não pensar nos seus munícipes.

“Sei que dentro em breve haverá uma candidatura do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência, financiado por fundos europeus) para financiar a 100 por cento este projeto, o que será uma situação ainda mais vantajosa para os municípios do que é atualmente, pois deixararão de ter de comparticipar os atuais 15 por cento”, frisou.

Berta Nunes sublinha, por isso, que Bragança “não precisa de fechar o BUPi, que depois será financiado a 100 por cento” e estranha que, em quase 170 Câmaras que aderiram ao projeto, “só Bragança é que diz que vai fechar”.

A deputada socialista considera que “é um serviço público ao qual a Câmara pode dar o seu contributo em parte” e se “olhar aos interesses dos munícipes, deverá manter o balcão aberto”.

“Parece-me uma falta de respeito do presidente da Câmara de Bragança para com os munícipes, sobretudo os emigrantes que vêm durante o verão, única altura que têm para tratar destes assuntos”, sublinhou Berta Nunes.

De acordo com a parlamentar, neste momento o Governo, através da Ministra da Presidência, mariana Vieira da Silva, está a tentar encontrar a fórmula que permita “manter os mesmos postos de trabalho sem haver novos procedimentos concursais”.
“O que se desejava era que se prolongasse sem sobressaltos.

Esperamos que seja muito breve, no máximo dentro de um ou dois meses”, concluiu Berta Nunes.

Recorde-se que o Governo contratualizou este serviço com vários municípios em todo o país, entre os quais os da CIM Terras de Trás-os-Montes, através de uma candidatura de quase 2,4 milhões de euros, 85% dos quais financiados pelo Fundo Social Europeu (FSE) e os restantes 15% a cargo dos municípios.

Mogadouro que já tinha feito o cadastro dos terrenos, foi o único dos nove municípios desta CIM que ficou de fora da candidatura, tendo sido contemplados Alfândega da Fé, Bragança, Macedo de Cavaleiros, Vinhais, Vila Flor, Vimioso, Miranda do Douro e Mogadouro.



 

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