A opinião de ...

Dar o dito por não dito

Pedro Passos Coelho diz que não aconselhou ninguém a emigrar. E do alto da sua autoridade ministerial lançou o desafio: ora provem lá o contrário. E provaram. Bem pode o primeiro-ministro dar o dito por não dito e desdobrar-se em subterfúgios que não conseguirá apagar o registo audiovisual das palavras, da entoação e da sua fisionomia. Aconselhou ele e aconselharam outros membros do governo, o que leva a crer que não foi apelo fortuito ou mero impulso, mas sim orientação governamental.
Em Dezembro de 2011, o primeiro-ministro aconselhou os professores desempregados a procurarem “uma alternativa” em Angola, no Brasil e em todo o “mercado de língua portuguesa”. Dois meses antes, o secretário de Estado do Desporto já havia desafiado a juventude desempregada a “ sair da zona de conforto e ir para além das nossas fronteiras”. E, em novembro, o então ministro Miguel Relvas fez o mesmo tipo de recomendação. Começando por reconhecer que “temos hoje uma geração extraordinariamente bem preparada, na qual Portugal investiu muito” e que a “economia e a situação em que estamos não permitem a esses ativos fantásticos terem em Portugal solução para a sua vida ativa”, concluiu aconselhando-os a procurar novos desafios lá fora.
Mentir é condenável. Dar o dito por não dito é reprovável. Tomar os outros por parvos é um grave erro político. De nada serve esconder ou desdizer. O primeiro-ministro conhece o Google e outros motores de busca. Sabe que com as novas tecnologias não apenas o que se escreve mas também o que se diz fica registado e acessível a qualquer um. Com tanta gravação oficial e privada, com tantos smartphones e tablets prontos a disparar (fotografando, gravando, divulgando), já não se aplica o provérbio latino verba volant, scripta manent (as palavras ditas voam, as palavras escritas permanecem). Graças às novas tecnologias, permanece o dito e o escrito. Há um novo tipo de perenidade.
O primeiro-ministro não aprendeu nem parece disposto a aprender a lição e reincidiu na mentira, ao afirmar na Assembleia da República que, nos últimos quatro anos, os portugueses emigraram menos que os cidadãos de outros países sujeitos a programas de austeridade: “É falso que em Portugal tenha havido mais emigração que noutros países que passaram circunstâncias idênticas às nossas. Na Irlanda, o saldo migratório foi mais grave. Em Espanha o saldo migratório foi mais grave”. Ora, os dados do Eurostat demonstram o contrário. Nem a Irlanda nem a Espanha, países igualmente sujeitos a programas de austeridade severa, sofreram uma sangria migratória comparável à portuguesa. Na Irlanda, o aumento da emigração foi de apenas 9%. Em Espanha, subiu para 32%. Mas, em Portugal, foi cinco vezes mais do que em Espanha, 126%. 
Segundo o Observatório da Emigração, só em 2013 emigraram 110 mil portugueses, valores equivalentes aos de 1973. Ou seja, Portugal recuou 40 anos. Nos quatro anos de governo PSD/CDS, emigraram quase 500 mil pessoas, sobretudo jovens qualificados em quem o país investiu e de quem o país precisa para sair da crise e garantir o futuro que os portugueses desejam e merecem.
Mais uma vez, o primeiro-ministro mentiu ao Parlamento e mentiu aos portugueses. Quem é que pode confiar numa pessoa assim?

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