Exortação de outono
O ser humano é um ser de tempo e do tempo, ser da natureza e ser pensante, de espiritualidade e de interlocução, que vive bastas vezes além do outono, estação, o seu próprio outono, em exortação à interioridade, um estado de alma.
Outono, estação, que se vai instalando nos dias que se abreviam pouco a pouco, do sol mais ameno a que se somam os primeiros pingos da chuva que exalam o cheiro a terra, do espetáculo maravilhoso que nos fazem descobrir as folhas das árvores que ganham tonalidades distintamente belas, mas que se vão desprendendo paulatinamente até caírem no chão, para dar lugar ao inverno.
Outono, estação, em que se saboreiam frutos doces, com sabores e odores intensos e delicados, diferentes dos das outras estações, como a uva, o dióspiro, a romã, a maçã, a noz, a amêndoa, a avelã, o marmelo, etc.
No outro outono, mais interior, no mais recôndito de cada pessoa, presente independente da idade, qualquer que ela seja e sob indistintas circunstâncias, fazem-se balanços e introspeções, do já e do ainda não, dos sonhos ainda não cumpridos nem tão pouco vividos, daquilo que cada um esperava e ainda não aconteceu.
Há dias e estações na vida de cada um em que nos sentimos assim, mas como disse Miguel Torga “o que é bonito neste mundo e anima, é ver que na vindima, de cada sonho, fica a cepa a sonhar outra aventura... e que a doçura que se não prova se transfigura, numa doçura, muito mais pura e muito mais nova” (“Confiança” - Miguel Torga - Escritas.org).
Esta “doçura que se não prova se transfigura” pelo modo e determinação com que encaramos o dia a dia, o devir existencial, em que se torna fundamental dar outro alento, mais coragem, mais energia e dedicação àquilo que para nós ainda está inacessível e que nos é propício realizar.
Neste sentido, podemos ficar na melancolia dos tempos passados e vividos, do limbo do casulo de cada um, nos lamentos e nos azedumes, das queixas e das desconfianças sistemáticas, do desalento e das críticas a que não escapa nada nem ninguém, ou então, reconfigurar o nosso olhar de compreensão da vida, da sociedade, da história e das coisas, para que “a doçura que se não prova se transfigura, numa doçura, muito mais pura e muito mais nova”.
Para isso há como que uma exigência de resignificação e transfiguração de cada um, da sua própria vida, com transformação interior e esperança pelo que o outono não será um fim, mas verdadeiramente um princípio.
Como disse um dia Albert Camus “o outono é outra Primavera” pois para cada pessoa assim pode ser. Em suas mãos está.