A opinião de ...

A Última Academia 3 – O Assalto ao Liceu

Em 1973 líamos o novíssimo Expresso que o Alcides trazia para o Chave D’Ouro, a embrulhar “A Funda” do Artur Portela Filho, comprávamos na Mário Péricles livros “raros” que partilhávamos, emocionávamo-nos com “O Lodo e as Estrelas” do padre Ferraz e ouvíamos, em ambiente reservado, Zeca e Adriano. No Liceu, calhou-nos em sorte, como professor de Religião e Moral, o padre Ferreira de quem se diria, mais tarde, ter em igual consideração e de leitura diária a Bíblia e o Capital de Karl Marx. Foi ele que nos despertou a consciência para a injustiça da inexplicável falta de democracia e liberdade de expressão no Liceu e que a Academia deveria ser uma expressão da vontade e anseio dos alunos e não uma extensão do poder delegado do Reitor nem os seus membros deveriam ser indicados por ele e pelos professores que lhe eram mais próximos.
E o que fazer contra isso?
Protestar, claro!
Obviamente que qualquer protesto público seria reprimido, sufocado e severamente castigado. O que se fizesse teria de ser feito de forma secreta, reservada e, obviamente, pela calada da noite.
Nesse ano os Vitorinos já se tinham mudado para um quarto da Pensão Machado Cura, junto aos Correios o que permitiu a organização da “ação” fora da tutela vigiada do Colégio. Foram eles que compraram as tintas e pincéis e que marcaram o encontro à meia-noite (mais tarde lamentámos que não tivesse sido mais tarde), junto ao café Zip-Zip. Os outros saímos do S. João de Brito, por uma janela que dava para um pequeno terraço sobre a sala de leitura onde ficara “esquecida” uma escada rudimentar, de madeira. Subimos a rampa e acampámos junto à entrada principal do Liceu. Começámos a escrever no chão e nos vidros das portas, quando... alguém abria o portão, cá em baixo, ao fundo da escadaria e caminhava descontraidamente para o lugar onde estávamos. Alarmados, mas querendo deixar “marca”, derramámos o resto da tinta nas escadas e corremos na direção oposta, saltando (ainda hoje não sei como) as grades, galgando as ruas do Bairro da Mãe d’Água para nos reagruparmos junto à Torralta. Entrámos no quarto dos Vitorinos, para recuperar fôlego e jurar silêncio sobre o ocorrido. Eles ficaram e os restantes dirigimo-nos para a outra margem do Fervença. Ao passar no Loreto vimos que a polícia percorria, de carro, acendendo e apagando os faróis, o espaço circundante ao Liceu. A escada ainda estava no lugar onde ficara e conseguimos regressar à camarata sem sermos detetados. No dia seguinte havia um burburinho por entre os nossos colegas que, obviamente, nós “ignorávamos” e perguntávamos sobre o que se teria passado e não era por mera curiosidade, como os demais.
A Última Academia acabava de germinar!
Consolidar-se-ia, meses mais tarde, na representação de uma peça de teatro, “Nas teias da Injustiça” escrita a meias por mim e pelo João Vitorino e que a propósito do consumo de drogas, já a despontar por ali, tentámos, ingenuamente, fazer passar algumas ideias de liberdade e justiça. Foi um sucesso e teve como principal mérito, tornar-nos conhecidos da comunidade liceal.
Em maio, um grupo promovido exclusivamente por alunos, era eleito de forma livre e democrática para a Academia do Liceu Nacional de Bragança para o ano letivo de 1973/74, a última!

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3921

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