A opinião de ...

A infelicidade de alguns povos

Creio não andar muito longe da verdade ao afirmar que alguns povos poderão rever-se no exemplo que a seguir apresento, apenas e simplesmente produto da minha imaginação.
Era uma vez um povo governado por um tirano. E esse povo, como facilmente se compreenderá, vivia muito infeliz: não tinha liberdade de decidir sobre fosse o que fosse, e toda a sua vida era orientada para obedecer sem contestar. Além disso, era frequentemente sujeito a enormes sacrifícios, dos quais o menor consistia em trabalhar de manhã à noite, sob a inclemência do frio e do sol, mal vestido e a morrer de fome, pois, quando o tirano estava de mau humor, ordenava que lhe cortassem no já parco alimento.
Além desta tão grande crueldade, este tirano salientava-se também pelo seu constante mau humor. Por isso, naquele reino ninguém podia rir nem, ao menos, esboçar um pequeno sorriso, porque, quando isso acontecia, o “transgressor” era imediatamente chamado à presença deste cruel governante que, (também para seu divertimento), ordenava a um dos muitos esbirros que o chicoteasse, até que o sangue, borbotando das costas do desgraçado, tingisse o pó no qual, depois do castigo, era obrigado a prostrar-se. Há tiranos (e este era um deles) que só conseguem sustentar o trono em que se refastelam, à custa dos muitos guarda-costas e ignóbeis informadores, além da sua guarda de elite – generosamente armada e tratada com todas as benesses.
Poderíamos caraterizar esta selvática personagem de aspeto – calcule-se! – de aspeto franzino e até raquítico, cara de fuinha, nariz de agiota, de cabelo comprido e sujo, malcheiroso, cheio de caspa e de piolhos, que reluziam por entre falhas do cabelo e que, por se ter habituado a eles, não se sentia incomodado com as suas picadas e os seus dejetos…, tudo isto contrastando com uma agudeza de espírito, de manha, de falsidade e desconfiança, de ambição desmedida e, entre outros atributos, tendo sempre presente o propósito de dilatar o seu reino, à custa de reinos vizinhos, cujos povos, pelos vistos, viviam em total liberdade pelo grande cuidado e tolerância que os seus governantes tinham com eles. Era-lhes até permitido emitirem opiniões quase sempre bem acolhidas, e muitas delas aproveitadas para uma melhor orientação dos respetivos Governos.
Mas, porque o tirano, ao ter conhecimento do modo como esses povos eram tratados, ficava furioso de tal forma que não conseguia atinar com o mando; e, para se acalmar, deitava-se de barriga no chão do quarto, e aí se entretinha a contar, (irritado e em voz alta), feijões, carcaças de percevejos, dentes de alho… e só descontraía quando acabava de contar ameixas secas.
Só nessa altura permitia à sua guarda pessoal que o deitasse na cama, onde ficava de costas, a olhar atentamente o teto onde, num emaranhado de arabescos, conseguia ver um filme de amor, com o qual se desfazia em lágrimas, porque sabia que não era amado nem entendido por ninguém. Nem mesmo pela rainha consorte! Rainha consorte que ele abominava e estava com ânsias de a degolar, porque andava com as criancinhas ao colo, dava-lhes de comer, de vestir, as ensinava a amar e as guardava do perigo.
Também ela há muito detestava aquele tirano. E então, com inúmeras precauções, subornando um súbdito, fez com que este, ajudado por quem sabia do assunto, perfurasse a Terra até ao centro, e aí colocasse a bomba mais poderosa que, até ao momento, se tinha inventado. E no dia em que o enfezado do marido morreu, a bomba explodiu, reduzindo a pedacinhos o planeta em que habitavam, projetando-os para a imensidão do espaço sideral! Entretanto, o espaço sideral, incomodado, fez com que todos aqueles pedacinhos caíssem no Abismo. E este, temendo uma perpétua convulsão universal, imediatamente os juntou e refez a Terra. Mas a Terra liberta de tiranos, que morreram todos naquela grande explosão.
E agora, criada na sua pureza original, no maravilhoso conforto em que se deleita, outra Humanidade sabe louvar o sol; contemplar a lua; chorar, se a Terra se entristece; amar os rios e os mares, guardar as planícies, as serras e os montes; respeitar os animais; fazer crescer e olhar pelas plantas… e, sobretudo, que sabe compreender-se, não guerreia, e prontamente ajuda, ao ver que alguém sofre!
(Baseado no meu conto inédito “O Tirano”)

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3882

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