A opinião de ...

Ciência e cidadãos de mãos dadas

Poderão a ciência e os cidadãos “não cientistas” caminhar juntos? Como poderá ser útil esta união? Como podemos estabelecer esta relação de forma a que ambas as partes se sintam realizadas?

Estas e várias outras questões podem ser levantadas quando falamos sobre a ciência e a sua relação com a sociedade. Ao longo dos tempos, tanto as sociedades como a maneira como se trabalha em ciência evoluem. As nossas perceções vão-se modificando. Vão surgindo novos conceitos que, por vezes, causam alguma confusão inicial, mas que acabam por se ir integrando e por fazer parte do nosso dia-a-dia. Como dizia Fernando Pessoa, “primeiro estranha-se, depois entranha-se”.

“Ciência cidadã” é uma expressão que tem surgido com mais força em anos recentes. Com ela referimo-nos a um trabalho conjunto entre cientistas e não cientistas. Sendo a ciência feita por pessoas e para pessoas, faz-me sentido que exista esta interação entre a ciência e os cidadãos.

Alguns desafios se colocam. Por vezes damos por nós tão concentrados no nosso mundo e no nosso quotidiano que sentimos dificuldade em receber contributos de outros. Assim, para que uma colaboração deste tipo dê frutos, deverá haver interesse e recetividade de ambas as partes. Cada indivíduo fazendo a sua parte, com abertura para dialogar e trocar ideias com outros. Sairmos um pouco da nossa casca e abrirmo-nos para o Mundo, mantendo o nosso espírito crítico.

Esta troca de ideias e de contributos pode enriquecer-nos de várias formas. A observação está na base da ciência, por isso os contributos de quem observa com outros olhos podem ser valiosos. Conhecer os pontos de vista daqueles que não trabalham com ciência no dia-a-dia pode ajudar os cientistas na procura de novas questões, na planificação do seu trabalho e na forma como transmitem as suas ideias. Já o trabalho metódico da ciência pode esclarecer questões, explicar fenómenos e ajudar-nos a compreender tanto do que se passa à nossa volta. A partir daí todos nós podemos perceber melhor o Mundo que nos rodeia e tomar decisões conscientes e informadas. E podemos permitir-nos a nós próprios ficar fascinados com este maravilhoso planeta que habitamos e com os fenómenos que nele acontecem.

Esta interação pode também ter um papel importante na era da informação em que vivemos. Se é fundamental procurarmos o conhecimento, também é essencial saber como procurá-lo e analisá-lo. Procurar um ponto de equilíbrio entre toda a inovação que nos surge atualmente e os contributos do passado.

Esta caminhada, lado a lado, de cientistas e cidadãos, pode trazer inúmeras vantagens a vários níveis, com aplicações transversais a várias áreas. Quando falamos de saúde, educação, ambiente ou até questões sociais e de cidadania, podemos (e devemos) considerar contributos da ciência e dos cidadãos. Não temos que ser todos iguais e fazer as mesmas escolhas. Aliás, isso tornaria a nossa vida muito pouco engraçada. Podemos, sim, agir de forma consciente e informada, discutir pontos de vista e ponderar opções.

Nestes tempos conturbados (como em qualquer outra altura), pensemos que mais do que promover desentendimentos, podemos procurar o entendimento. A ciência e a sociedade podem aqui também caminhar, sim, de mãos dadas. Pensemos em como o conhecimento científico e os conceitos criados em sociedade se podem influenciar uns aos outros.

Pensemos nesta intrigante espécie que é a espécie humana. O nosso ADN mostra-nos que podemos, de facto, ser “todos diferentes e todos iguais”. Todos temos, no nosso ADN, peças iguais de um puzzle. Um puzzle especial em que as peças se podem, simplesmente, combinar de formas diferentes. Fantástico, não é? Já o poeta e cientista António Gedeão nos deixou a mensagem: seja qual for a nossa origem, as nossas lágrimas são todas feitas da mesma matéria-prima.

Maria Inês Silva
Presidente da associação Cerciência - Ciência em Rede

Edição
3927

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