Dúvidas sobre compatibilidade de funções do chefe de gabinete do presidente da Câmara

É presidente de Junta de Freguesia e, ao mesmo tempo, foi contratado para chefe de gabinete do presidente da Câmara Municipal, cargo que exerce simultaneamente. Será que é compatível esta acumulação de funções?

A pergunta é pertinente, até porque há casos destes em vários pontos do país, incluindo, em MirandeIa, em que o Chefe de Gabinete, é também presidente da junta de freguesia de Alvites, no mesmo concelho mirandelense.

Os autarcas, onde isso acontece, justificam que as funções são exercidas em regime de não permanência e escudam-se em pareceres da Associação Nacional de Municípios, da ANAFRE e do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República. “Foi o que fizemos antes da nomeação”, garante o presidente do Município mirandelense, Vítor Correia.

No entanto, as dúvidas subsistem, até porque já houve autarcas obrigados pelo tribunal a pedir a demissão por se dividirem em cargos públicos. Foi o caso do presidente da Junta de Freguesia de Mértola que acumulava o cargo de chefe do gabinete do presidente de câmara e de membro na Assembleia Municipal. Em 2020, o Supremo Tribunal Administrativo confirmou a existência de “incompatibilidade” na acumulação destas funções, tendo ficado confirmada a “aplicação da sanção de demissão do exercício de cargos públicos” decretada pela instância anterior.

O especialista em Direito Administrativo, o advogado Paulo Veiga e Moura, sobre esta matéria, em 2023, em declarações à CNN Portugal, foi perentório: “Os eleitos locais obviamente podem exercer outras funções profissionais, se não estiverem em tempo integral. Eles poder podem, não podem é exercer na própria autarquia, até porque perdem desde logo toda a independência. Se alguém é Presidente de uma junta de freguesia e vai trabalhar sobre as ordens ou a autoridade do Presidente da Câmara, fica naturalmente numa posição de total falta de imparcialidade”, disse, na altura.

“Por outro lado, os membros dos gabinetes de apoio exercem as suas funções em regime de exclusividade e não podem exercer qualquer outra atividade, função profissional ou atividade profissional. Portanto, se está a exercer as funções de Presidente de junta de freguesia, ainda que não em tempo completo, ele está a exercer uma atividade que não é permitida de acordo com o estatuto dos membros dos gabinetes de apoio. Parece-me que estamos a violar completamente a lei”, disse.

Declarações de Paulo Veiga e Moura, em 2023, prestadas à CNN Portugal. Trata-se do advogado com quem o Município de Mirandela assinou, a 1 de maio de 2024, um contrato de prestação de serviços na área de Assessoria Jurídica e Mandato Judicial, na modalidade de contrato de avença pelo período de 20 meses, ou seja, até 1 de janeiro de 2026.

Confrontado com estas declarações, de 2023, Paulo Veiga e Moura diz que mantém o que disse, mas quando questionado sobre qual era a sua posição sobre o caso concreto de Mirandela, em que Eurico Carrapatoso exerce, em simultâneo, o cargo de chefe de gabinete do Presidente da Câmara e o de presidente da junta de Freguesia de Alvites, aí o especialista em direito administrativo disse que não pode comentar casos dos seus clientes.

Sobre esta matéria, o Bastonário da Ordem dos Advogados, João Massano, alega que se está perante uma situação em que é necessário verificar se existe conflito de interesses. “Diria que não será incompatível em global. Agora, depois em concreto, haverá que verificar se existe algum conflito de interesses, que é bem possível que exista, obviamente em situações concretas, de alguém que é Chefe de Gabinete de uma Câmara poder, em determinadas situações, estar perante uma situação de conflito de interesses, até da sua própria Junta de Freguesia, com o que vier a ser decidido na Câmara”, diz.

De qualquer forma, o bastonário da Ordem dos Advogados entende que esta situação “não é confortável do ponto de vista ético”.

Recorde-se que Eurico Carrapatoso exerce funções no Gabinete de Apoio à Presidência (GAP), desde 4 de novembro de 2024, altura em que a então presidente da Câmara, Júlia Rodrigues, o nomeou adjunto.

Cargo que ocupou até 2 de junho deste ano, dado que, com a renúncia da Presidente (que tomou posse como deputada na Assembleia da República) foi obrigatório proceder a nova nomeação do Gabinete de Apoio à Presidência. O que veio a acontecer, com efeitos a 3 de junho, mas com uma alteração nas funções de Eurico Carrapatoso, que passou a ser Chefe de Gabinete de Vítor Correia, agora o novo presidente do Município.