A opinião de ...

Natal todo o ano

É uma frase feita, a do Natal durante o ano inteiro. Temo que não passe disso mesmo. No entanto, se agora existem excepções a confirmarem a regra, no antecedente, pelo menos até à década de setenta do século findo, nas aldeias, vilas e na cidade, quase posso afirmar com certeza que a excepção era ao contrário. A generalidade das casas mais abonadas auxiliavam as carentes, nas aldeias mais à solta ou à vista, em Bragança as benfeitoras (a maioria do auxílio era prestado pelas mulheres) praticavam o recato cumprindo na íntegra a máxima: que a mão esquerda não saiba o que a direita faz. Sempre que a memória lembra o dever de escrever um livro sobre as meninas dos lares e do asilo, não se esquece de referir quão desleixado tenho sido ao não dedicar atenção a essas Senhoras devotadas ao cumprimento do desígnio; Natal a todo tempo. Surdamente respondo: falar numas, esquecer outras, é praticar clamorosa injustiça. Desculpa de mau pagador ruge a memória em jeito de remoque. A fim de emagrecer a falta, também porque se aproxima a noite da Consoada, decidi oferecer a mim mesmo um regalo, o da satisfação em nomear duas das muitas amigas de amarem o próximo suavizando-lhe o quotidiano. De propósito não digo os seus nomes, dou conhecimento dos filhos, os conhecedores logo lá chegam. A primeira foi mãe da Loreto e do Zé, a segunda teve três rapazes, um engenheiro e gestor de topo, o segundo bancário e não aviador devido a fanhosices burocráticas, o terceiro psiquiatra com quem discutia parvamente no Califa, ainda de uma rapariga que não vejo há imensos anos. Discretas na acção caritativa, resolutas na vivência, a minha vizinha no governar a casa dela e reparar faltas nas dos outros, a generosa farmacêutica sempre numa roda-viva, risonha, capaz de colocar na ordem os presumidos armados em pedantes na compra de preventivos. Por razões óbvias não me alongo no detalhe de casos sucedidos. Enquanto rapaz e rapazola amigo de jornadear por ruas, travessas e jardins, convivendo e ouvindo, fui conhecendo numerosos actos de bem-fazer praticados por estas duas excelentes senhoras, sempre afastadas da vaidade zelota e apostadas no suavizar o viver de gente mal paga, dona de muitos filhos e poucos haveres, num tempo onde a quase generalidade das mulheres não tinha emprego, e os maridos afagavam as mágoas decilitrando tinto ou branco, na companhia de uma lasca ou um bolo de bacalhau. Bom Natal.

PS. Os filhos façam o favor de perdoar. Mas sinto-me bem.

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