Aconteceu poesia em Sambade...
Sambade, Casa do Povo. Sexta-feira, 19 de Agosto. Apresentação estrondosa, no melhor sentido do termo, de um livro de poesia de Duarte (Nuno) Moreno, O Pássaro no Traço – Em Tronco Nu, assim titulado. Foram poemas ditos e sentidos, mais que lidos, com saber, mestria, ao som de música que falava. Menos que os poemas, mas falava. Cenário fantástico, em movimento contínuo, emprestando ainda mais fantasia à fantasia dos poemas. Estava cheia a Casa, afirmação de que (também) é possível nivelar por cima quando de cultura falamos. Povo que não arredou pé, entusiasmado, bebendo cada palavra, cada golfada de ar respirado. Beleza também respirada, porque tudo era belo. Aplausos e mais aplausos, ruidosos, vibrados e vibrantes, mas silêncio, silêncio sozinho a cada poema no ar. E algumas lágrimas também, quando os bons e saudosos Tozé e Dinis foram lembrados. Cantados em verso.
O poeta Duarte Moreno canta a natureza, os lugares comuns e os incomuns, em escrita ordenada e límpida como a água que espelha, sem mistérios e de mistérios prenhe: o mistério da vida, o mistério da alegria, o mistério da saudade e da nostalgia. Revela-se continuadamente um homem de crença, nela traçado, desenhado, talhado. Homem para a família e para os amigos, saudoso dos cantos e das planuras que os seus olhos viram e os seus pés pisaram, mormente em tempos perdidos de menino. Perdidos, não; porque relembrados, e não se perde o que se relembra. Canta a amizade e o amor, a beleza e a estética, a harmonia. Prende-se na admiração pelos mais velhos e pelos mais novos. Sente e vive intensamente a saudade por aqueles que partiram e lhe foram (e são) queridos e fizeram as suas delícias de criança e de jovem. Poesia de força e vibrante a sua, escrita com alma e garra, com a cabeça e o coração, enternecedora a maioria das vezes, pungente algumas. Nela transparece uma vida intensa, com marca própria, porque o autor idealizou, materializando-a, uma marca própria para a sua vida. Uma marca de entusiasmo e de carinho, de alegria, beleza e amor. Roliçou as palavras pensadas uma a uma, e uma a uma as casou com as palavras certas, com simplicidade na simplicidade. Nos seus poemas deslizam emoções e afectos, doçura, ternura e amor. Esvoaçam pássaros, muitos pássaros, crescem plantas e árvores, sorriem o céu e o sol, espraia-se o mar azul, escorre a água e desliza o vento, cai a chuva que amolece a terra ou crepita nas pedras. Desfilam crianças e graúdos, todos incitados para a vivência plena da vida, lições, memórias, homenagens e homenageados. E celebrações; da vida, sobretudo. Não se colhem, propriamente, inquietações nos poemas lidos e relidos, interiorizados sem fastio, mas com deleite, espelhos de muita serenidade, tranquilidade, paz de espírito e de consciência. Canta o Pai e a Mãe, por mais que uma vez, de forma carinhosa, absorvente e absorvida, apaixonante e apaixonada, amorosa, para tudo ficar dito de uma vez só. Para eles, que tão bem conheço, a minha homenagem, reconhecimento pela riqueza do saber ser e do saber estar que tão sabiamente imprimiram no Duarte (Nuno), o «Té» de todos nós.
Escrevo segundo a antiga ortografia