A opinião de ...

De Mandela a Gusmão: a revolta como direito contra a injustiça

Nelson Mandela e Xanana Gusmão são dois produtos do mesmo tempo: o do fim da Guerra fria, o da Glassnost e o do início da globalização (1986-1998).
Parece-me impossível falar de um sem falar do outro porque ambos realizaram parte do mesmo ideal: o da libertação dos respectivos povos contra a opressão e a injustiça. Ambos merecem o mesmo pedestal na história mas Mandela será universalmente conhecido por ser o líder de um grande e rico país.
Porém, nem Mandela nem Xanana teriam saído das prisões onde cada um se encontrava se os ventos da história não fossem momentaneamente favoráveis à libertação dos povos. Na altura, também a ex-União Soviética se pulverizava em pequenos estados e, por toda a parte, o vento da libertação soprava como a promessa de bem-estar que o capitalismo internacional oferecia aos oprimidos como demonstração da sua superioridade humanista sobre o socialismo comunista. Oprimidos, porém, que viriam a provar do veneno da cobra, após o período da sedução.
Hoje, a globalização aumentou assustadoramente o número de pobres, os ricos são muito mais ricos e os pobres muito mais pobres. Os estados sucumbiram perante o poder dos grandes grupos económicos. A pobreza instala-se na Europa e na América do Norte. O capitalismo, o das forças e meios de produção e o financeiro, triunfam por todo o lado e pretendem fazer dos ideais sociais-democratas, de Ferdinand Lassale (1863) a Olof Palm e John Rawls (1970), uma ideologia do passado.
Vale a pena portanto evocar as duas figuras (Mandela e Xanana) para concretizar as palavras do universal Thomas Morus perante Henrique XVIII: «é nosso dever revoltarmo-nos contra a injustiça», como uma tarefa necessária em cada momento e lugar onde a opressão e a exploração se manifestem.
Nem Mandela nem Xanana realizaram totalmente os seus sonhos. A África do Sul, apesar de um país muito rico, continua muito desigual, com a maior parte dos negros a viver na miséria e a maior parte dos brancos a explorar, agora legitimamente, porque em democracia, os recursos e os esforços daquela gente. Um problema de instrução dos negros, dir-se-á. Não, um problema mais profundo que à instrução acrescenta a ausência de identidade como povo (muitas culturas, muitas nações, excesso de religiões), a ausência de dinheiro, de tecnologia e de poder e que fez com que os ricos tivessem dominado quase por completo o processo de democratização na África do Sul e no resto do mundo e de globalização no mundo.
A triste realidade é que as utopias socialistas provaram não ser estratégias suficientes para a libertação adequada mas, ao menos, foram, até 1990, tampões de contenção do avanço do liberalismo económico radical. Hoje, este, está só, no processo histórico, nos termos da profecia de Francis Fukuyama. Ai de nós se não pusermos em prática as palavras de Thomas Morus.
 

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