A opinião de ...

Memórias do 25 de Abril: II - do impasse político e militar de 1973 à transformação do Movimento dos Capitães em movimento político

Em 1973, a situação do país é explosiva. A prometida democratização (legalização dos partidos e actualização dos cadernos eleitorais não acontecem e o país só conta com 2,7 milhões em 6,5 milhões de eleitores possíveis). Mesmo assim, em Maio, Mário Soares, Salgado Zenha, Maldonado Gonelha e outros fundam, na clandestinididade, na Alemanha, o Partido Socialista. Era necessário contrapor uma força democrática ao Partido Comunista Português (PCP), altamente organizado embora na clandestinidade.
Na guerra colonial não se vislumbrava solução, nem militar nem política. A repressão da PIDE sobre os movimentos democráticos boicota o Congresso da Oposição Democrática, em Aveiro, em 7 de Abril. Face ao evidente descontentamento e fractura ideológica das forças armadas, o Governo lança o Congresso dos Combatentes, no Porto, de 1 a 3 de Junho, do qual são excluídos os oficiais do Quadro Permanente por terem organizado um manifesto contra a política ultramarina, com 400 assinaturas, sob a direcção de Ramalho Eanes, Vasco Lourenço e Hugo dos Santos. Um tiro no pé, portanto, por parte do Governo.
Face à falta de capitães para comandar companhias no teatro da guerra, o governo aprova o Decreto-Lei nº 353/73, de 13/7, para promover o recrutamento de tenentes e capitães milicianos de entre alferes milicianos com uma comissão no ultramar. Estala a revolta entre os alferes, tenentes e capitães do quadro permanente e o Governo altera o Decreto-Lei aprovando um novo, o 409/73, de 20/08. Os oficiais milicianos já não poderiam ultrapassar os oficiais superiores na carreira mas poderiam ultrapassar os não superiores (tenentes e capitães) e atingir o posto de Coronel. Além disso, já teriam de fazer um curso intensivo, de dois anos, na Academia Militar.
Porém, o descontentamento continua e alastra entre os oficiais não superiores apesar da tentativa de divisão operada pelo Governo, para reinar.
É aqui que começa a nossa história factual mas ela não pode ser isolada nem do contexto político nem do contexto militar nem do contexto económico do país, tanto mais que, em Outubro, de 15 a 26, estala a guerra israelo-árabe do Yom Kipur, com o consequente fecho do Canal do Suez, desencadeando uma crise petrolífera com consequências graves em todo o mundo, legitimando a ascensão do neocapitalismo e do neoliberalismo e das teorias contingencial e da flexibilidade (adhocrática) no plano organizacional, fazendo ainda triunfar a Terceira Vaga, de Alvin Toffler mas, ao mesmo tempo, as teorias críticas do capitalismo e do funcionalismo (Escolas de Frankfurt, essencialmente com Horkheimer e Habermas; francesa e Inglesa, com Raymond Boudon, Henri Giroux, Baudelot & Estabelet e Anthony Giddens, e americana, com o neomarxismo de Randall Collins e Bowles & Gentis).
A morte política do Governo ocorrerá definitivamente no dia 28 de Outubro de 1973. Realizam-se eleições para a Assembleia Nacional mas a CDE (Coligação Democrática Eleitoral) vê-se obrigada a desistir por não ter condições para fazer campanha e não poder participar na organização das mesas de voto, dos cadernos eleitorais e das assembleias eleitorais. É um argumento que só considera uma dimensão do problema porque ao PCP interessava mais a unidade na clandestinidade do que uma derrota exposta. A primavera marcelista passa a inverno político. Não tinha passado de um Fevereiro soalheiro, comprometido pelas geadas negras de Abril a Junho.
 
Entretanto, os capitães e tenentes do quadro permanente organizam-se. Em 9 de Setembro, reúnem na herdade alentejana de um deles, o Monte Sobral, em Alcáçovas, 136 capitães. Nesta altura, estes oficiais estão essencialmente preocupados com a sua carreira até porque se autointitulam Movimento dos Capitães (MC). Mas o PCP era já muito forte, apesar de na clandestinidade e era nela que melhor actuava. Aconteceu o que Salazar menos queria mas que anunciara, em 1966, e que nada fez para evitar: a pêcepização do país e das forças armadas. Ao estereótipo de ignorante político sucedeu a realidade de uma mente alienada pelo activismo, propaganda e subversão da realidade, do PCP, que passou a ideologizar e a manipular o MC que, a partir de 1 de Dezembro, se autodesigna de Movimento dos Oficiais das Forças Armadas (MOFA) e, só a partir de 5 de Março de 1974, de Movimento das Forças Armadas (MFA). Porém, o êxito do MOFA e do MFA só terá sido possível pela experiência organizativa de informação e de contrainformação, na clandestinidade, por parte do PCP.
De qualquer forma, a partir de meados de Novembro de 1973, começam a verificar-se clivagens ideológicas no seio do Movimento dos Capitães. Alguma informação passa para o exterior, até porque, em 28 de Novembro, os ultras do Regime tentam organizar um golpe de direita, através de Henrique Troni e Kaulza de Arriaga. Doravante, os moderados do MFA (Vítor Alves, Sousa e Castro, Vasco Lourenço, Matos Gomes, Hugo dos Santos, Ramalho Eanes, Melo Egídeo) tentarão um equilíbrio difícil entre a democracia social-democrata e a democracia comunista. A própria escolha de António Spínola e de Costa Gomes para liderarem o Movimento espelha esta clivagem e a luta entre os dois pólos do equilíbrio. Costa Gomes manter-se-á fiel ao equilíbrio do Movimento. António de Spínola tentará, por diversas vezes, rompê-lo para trazer o Movimento para a Social-Democracia e para a Democracia Cristã, até quase ao comprometimento do próprio Movimento, numa ação suicida, em 16 de Março de 1974, que, felizmente, os oficiais de Lamego não seguiram e os de Mafra interromperam a meio da viagem.
É esta luta que é agora necessário explorar antes de prosseguirmos com a análise da preparação política e militar do Golpe de Estado. Tanto o MOFA, primeiro, como o MFA, a partir de 5 de Março de 1974, foram tudo menos homogéneos e unidireccionais.

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