A opinião de ...

O Portugal de Abril, III, Conclusão (4), A distinção essencial entre Estado Novo e República de Abril

Do ponto de vista político-administrativo, a grande diferença entre o Estado Novo (1932-1974) e a República de Abril (≥1974) reside na origem e na distribuição do Poder dos detentores dos cargos políticos. Além, o Poder baseava-se na eleição plebiscitária do Presidente da República (não era uma verdadeira eleição porque baseada num caderno eleitoral com apenas um milhão e setecentos mil eleitores), e este, por sua vez, designava o Primeiro-Ministro (então Presidente do Conselho) e os ministros. Presidente do Conselho e ministro da tutela designavam também os governadores civis e suas equipas e os membros dos executivos municipais e das juntas de freguesia, que não eram designados por autarquias mas por corpos administrativos.
A partir da Constituição de 1976, a origem e a distribuição do Poder baseiam-se na eleição pelo voto popular de todos os titulares de cargos políticos. No Estado Novo (EN), só houve entre 131 (1934) e 151 eleitos (1971), os presidentes da República e os deputados à Assembleia Nacional. Na República de Abril (RA), temos 37.000 eleitos entre: presidentes da república, primeiros-ministros, presidentes dos governos regionais da Madeira e dos Açores, deputados nacionais, deputados regionais da Madeira e dos Açores, membros dos executivos municipais, deputados municipais, membros dos executivos das juntas de freguesia, deputados de freguesia e membros das organizações profissionais (direcção clínica dos hospitais, universidades, executivos dos agrupamentos de escolas, e ordens ou autarquias profissionais.
No EN predominava a centralização e a concentração do Poder. Na RA, o poder está já bastante distribuído e descentralizado, quer no domínio político-administrativo quer no domínio das funções sociais do Estado através de institutos públicos, de empresas públicas, de entidades reguladoras e de associações profissionais, por vezes com muita cacofonia e descoordenação.
No EN, o sindicalismo era submetido às orientações do poder político. Na República de Abril, o sindicalismo é autónomo. No EN não havia nem direito de reunião pública, nem de protesto, nem de manifestação nem ainda de expressão livre de opiniões sendo a imprensa submetida a censura e, muito menos, de associação partidária. Ao contrário, na RA, a liberdade consiste na possibilidade de organizações partidárias, de dirimir opiniões contrárias às do poder estabelecido e de as defender publicamente. Consiste ainda em desenvolver todas as iniciativas de associação e de vida sem necessidade de autorização superior, desde que não colidam com direitos protegidos de terceiros.
Apesar das mudanças, a Administração Pública (AP) foi ainda muito estadonovense entre 1974 e 1991, ano em que foi aprovado o novo Código do Procedimento Administrativo. Até que este código tenha sido completamente assimilado, passaram 20 anos. Hoje, ele representa o 25 de abril da AP pela exigência de rigor, de transparência e de salvaguarda dos direitos protegidos dos cidadãos.
A CRP de 1976 estabeleceu os princípios do Estado de Direito Democrático (EDD). O EN também era um estado de direito, baseado no «Direito e na Moral» (Salazar, 1932), mas o Estado de Direito democrático acrescenta-lhe o ser construído pelos representantes ou da sociedade ou das suas organizações, conforme o caso, em harmonização e representação dos diferentes interesses.
Porém, os belos princípios implicam órgãos de regulação, de vigilância e de correcção. A democracia só funciona com democratas e verdadeiros cidadãos.

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4002

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