A opinião de ...

Em busca do Ser e a ponte do SABOR

Ao atravessar a novíssima ponte do rio Sabor, na Portela, assaltam-me, sempre, sentimentos contraditórios. Por um lado sinto-me bem com a modernidade, com o desenvolvimento que, queira-se ou não, a barragem do Sabor trouxe ao Nordeste em geral e ao concelho de Moncorvo em particular. Por outro, não consigo conter uma mágoa saudosa ao ver a velhinha ponte de pedra a ser engolida pelas águas da albufeira. Com os vestustos e belos arcos e contrafortes de pedra, vão memórias dos refrescantes banhos fluviais a que inevitavelmente se seguia uma pratada de peixes quentes, quase a saltar, na tasca do Miguel, também ela já “apagada”.
Como conviver com estas sensações antagónicas? Como as legitimar sem ferir a coerência? E, convivendo, em coerência, como as expressar?
 
No dia 27 de Junho nos Paços do Concelho encontrei, duplamente, a resposta: o elogio da barragem do Baixo Sabor chegou envolto em memórias sentidas. O cimento frio do paredão teve destaque ao mesmo nível do calor humano da fraternidade.
Recebi de presente um livro que questionando-se, inquietando-me, igualmente me dava respostas e apontava caminhos para as minhas preocupações: Em busca do Ser, de António Sá Gué!
 
Quiz o destino que começasse a sua leitura no escano de madeira da cozinha, em Brunhoso. Não podia haver melhor local para ler, sentir, mergulhar numa obra intimista, aberta, sensível em que o autor, recorrendo a múltiplos intérpretes (vozes) difusos, nos abre as portas da alma partilhando com os leitores reflexões, sentimentos, análises, de forma gradual, leve e, ao mesmo tempo, profunda!
Aventuro-me entre poemas com amarras prosaicas e prosas com alma poética que o autor semeou no seu último livro com a chancela da Lema d’Origem. Percorro as alamedas de palavras intimistas, que me põem a “caminhar descalço, tropeçar nas pedras, pisar a neve...” com “...a alma desnuda e em carne viva”. Nada mais apropriado que um banco velho e uma lareira apagada para “aquecer” e “congelar” no meio dos clássicos que se atrevem a explicar-nos os pequenos dramas que o dia nos trás.
 
Sá Gué proporciona-nos uma viagem por colinas e vales de pensamentos e reflexões, numa cuidada sequência de poemas e textos poéticos. A viagem começa num lugar indefinido, algures no nordeste do ser, no interior da alma poética, à procura das pontes que nos levarão entre duas margens. São vozes que vagamente (re)conhecemos, que nos conduzem pelos labirintos de veredas apertadas onde surgem pontes reais e concretas mesmo que o não sejam os seus pilares e que as suas margens sejam etéreas e indefinidas. Alma rural, caminhos urbanos, angústias do presente espelhadas nos clássicos da antiguidade.
 
Um livro para (re)ler devagar.
Descobrindo a alma poética das suas prosas. Encontrando as amarras prosaicas dos seus poemas. Viajando para dentro de nós, para dentro das nossas contradições percebendo que os sentimentos antagónicos não são icompatíveis e que é possível fazer um caminho intervalando veredas e pontes tal como é possível escrever um livro alternando textos de prosa com poemas.
Mesmo que tarde, nunca será tarde!
 

Edição
3482

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