A opinião de ...

A Máquina Ganeza

As células alinhadas e sobrepostas, em sincronismo, alteram a sua forma longilínea e contraem-se. O músculo toma uma forma mais arredondada e expande-se na lateral, contrai-se na longitudinal, puxando com força o tendão. O osso movimenta-se em círculo sobre a rótula. O pé, no outro extremo, transmite ao pedal o binário. A força passa para a roda dentada. A cremalheira descreve um círculo puxando a corrente de aço. No extremo desta uma pinça metálica aperta-se sobre os componentes eletrónicos extraindo-os do circuito impresso e libertando os respetivos metais que poderão agora ser recuperados e aproveitados. Sem fumo. Sem poluição atmosférica. Sem agressões ambientais. Sem prejuízo para a saúde dos beneficiários!
 
O Gana é um depósito mundial de artefatos eletrónicos avariados, em fim de vida ou obsoletos. O lixo eletrónico chega a Acra às toneladas despejadas em enormes depósitos a céu aberto. Telemóveis, televisões, computadores e outros artefactos que já não funcionam ou que perderam atualidade. Os países desenvolvidos não os querem e não sabendo bem o que lhes fazer, enviam-nos para este país da barriga de África.
 
Centenas de ganezes percorrem estas lixeiras, recolhem os circuitos impressos dispersos ou ainda agarrados aos invólucros plásticos e queimam-nos para recuperar os metais residuais: estanho, cobre e ouro! Os valores assim recuperados são ridículos mas a vida nesta parte do planeta é de tal forma difícil que a obtenção de pequenas mais valias faz toda a diferença. Por uns míseros dólares há crianças, jovens e adultos que poluem o ambiente e se expõem eles próprios a fumos tóxicos para poderem obter um complemento precioso para o escasso rendimento familiar.
 
Não há forma ecológica e segura de “tratar” o lixo eletrónico? Há, mas é mais cara! Relativamente cara cá, demasiado cara lá! Apesar do risco e dos alefícios. Claro que a proibição poderia ser uma solução. Mas essa só encorajaria ainda mais a mafia que controla este “negócio”. E, certamente, retiraria do circuito muitos seres humanos que dependem deste “desperdício” dos ricos, para sobreviver.
Outra alternativa seria inventar um processo semi-artesanal que permitisse arrancar os componentes, sem recorrer ao fogo. E igualmente sem ter de usar a energia elétrica! Uma alternativa à atual solução poluente e danosa para a saúde mas gratuita e disponível! Uma bicicleta adaptada que, pedalando, impelisse uma garra com força suficiente para extrair os metais dos circuitos impressos. Só que para que essa invenção vingasse, seria necessário que alguém saísse da sua zona de conforto, na Europa, pedisse uma licença sem vencimento e dedicasse um ano da sua vida a desenvolvê-la e a levá-la ao terreno mostrando as suas virtualidades para que fosse adotada e replicada.  Foi o que fez um cidadão asturiano, funcionário do Parlamento Europeu. Depois de três meses a desenvolver o seu projeto, meio ano em Londres a demosntrá-lo e a encontrar um construtor para a sua máquina e embarcou com ela para o Gana onde a experimenta e promove, graciosamente. Rafael Font, de seu nome, para que conste. Rafa para os muitos e bons amigos!
 

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