A opinião de ...

É preciso ter fé

Como é sabido, os escravos israelitas do Antigo Egipto viviam miseravelmente, em condições sub-humanas.
Contudo, na sua caminhada pelo deserto, durante o Êxodo, (cuja finalidade era conduzi-los à liberdade e à Terra Prometida), perante as inúmeras dificuldades com que se depararam, muitos deles sentiram certa nostalgia da vida que levavam no Egipto, onde, pelo menos, não lhes faltava o pão e a carne. “Naquele deserto, toda a comunidade dos filhos de Israel murmurou contra Moisés e Aarão. Disseram-lhes os filhos de Israel: - Antes houvéramos morrido às mãos do Senhor em terras do Egipto, quando nos sentávamos junto às panelas da carne e comíamos pão até nos saciarmos. Foi para matar de fome a toda esta multidão que nos trouxeste a este deserto!” (Ex, 16, 1-3).
Aparentemente, lhes foi fácil esquecer as sevícias e os maus tratos, não se importando de voltar a suportá-los, em vez de estarem sujeitos àquela travessia do deserto, conquanto soubessem que, ao vencê-la, iriam adquirir a sua tão ansiada liberdade.
Valeu-lhes Moisés, o líder que os levara até ali e contra quem se insurgiram, o qual, através da intervenção divina, sempre lhes conseguiu resolver as situações de perigo e de carência.
Mas, uma vez que a inóspita travessia durou quarenta anos, não será difícil aceitar que por lá terão ficado os anciãos, (aqueles que mais suportaram o peso e as feridas do chicote), tendo sido os mais novos que aproveitaram a libertação. Mais novos que, mesmo assim, para se instalarem e começarem uma vida livre, tiveram de lutar muito. Contudo, não seriam estes os que sentiam aquela nostalgia. Para eles, pelo menos duas razões poderão ter-se sobreposto à fadiga do deserto: a primeira foi a lembrança dos relatos da vida que os seus pais suportaram, assim como, muitos deles, também a provaram; a segunda pode ter sido a força física e anímica alimentadas na esperança da liberdade.
De facto, quanto aos anciãos, parece ter-se tornado evidente que já não tinham forças para suportar a inclemência do deserto; e, dia após dia, teriam visto a morte à sua frente, mais e mais próxima. A morte era, então, o destino que os esperava, tal como o era no Egito. Assim, no meio de tantas privações, e sem esperança de alcançarem a sonhada liberdade e a Terra Prometida, preferiam o cativeiro, onde, embora martirizados, não lhes faltara abrigo e comida.
Os bons momentos do passado eram, assim, marcas indeléveis que os levavam a esquecer os maus momentos por que passaram, e a rejeitar incertezas do futuro. E porque se encontravam no crepúsculo das suas vidas, viram-se obrigados a escolher: ou o deserto, ou, novamente, a escravidão.
Aqui, pode supor-se que a falta de fé os fez hesitar, pois, como já referi, todos os obstáculos encontrados na sua caminhada, foram sendo resolvidos com a intervenção de Deus (a água transformada em água doce, a água que jorrou da rocha, as codornizes e o maná), aquela falta de fé que, desconhecendo o paradeiro de Moisés pela sua demora no Monte Sinai, e temendo que não tivessem quem os conduzisse pelo deserto, pediram a Aarão que, com essa finalidade, lhes fizesse um deus! E Aarão, com o ouro que foi recolhido do povo, “fez dele um bezerro de metal fundido” (Ex – 32, 4), perante o qual houve ofertas e grandes festejos. Informado por Deus, Moisés desceu do Monte com as tábuas da Lei, contendo os Dez Mandamentos que, no Monte, recebera de Deus; e, vendo o que acontecera, ficou de tal modo irritado que atirou as Tábuas ao chão, fazendo-as em pedaços. Depois de ter reduzido a pó o bezerro de ouro, todos foram severamente advertidos, e muitos dos que adoraram o bezerro foram mortos. Finalmente, Deus perdoou ao seu povo: deu a Moisés novas Tábuas da Lei, e a caminhada pelo deserto continuou.
Olhando para o nosso futuro, é a fé na ajuda que nos há de ser dada, aliada à nossa força de vontade e ao nosso trabalho, que nos levará a vencermos os obstáculos que encontrarmos no nosso caminho, sempre na esperança de que melhores dias hão de compensar-nos pelo sacrifício que fizermos.

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