A opinião de ...

Camões e o Professor Dionísio Gonçalves

Decorreu em Bragança, no dia 18 de maio passado, o encontro dos 60 anos (1962- 1964) do Curso do Magistério Primário. Durante o evento e nas conversas travadas através do WhatsApp (meio tecnológico aqui bem-vindo, diferente do abuso a que assistimos nos dias atuais), a referência a mestres tem sido uma constante. Desde logo, o nome do Professor Dionísio Gonçalves que orientava a preparação prática, dos “aspirantes” a professores primários. Para os mais novos, recordo: o curso do Magistério Primário – a designação conferida às Escolas concebidas para formar (direi mesmo formatar) os professores do Ensino Primário (hoje, a Lei de Bases do Sistema Educativo estabelece os princípios e objetivos no sentido de melhorar a educação de crianças e jovens) – tinha como finalidade alfabetizar e educar (com base na ideologia autoritária conhecida: Deus, Pátria e Família) nas escolas de todo o País.
Tive a sorte de ter como orientador pedagógico o Sr. Prof. Dionísio. Apesar dos meus dezassete anos, muito crus, reconheci o mérito de ver nele competências que, adivinhava-se, provinham de vasta leitura, sábia ponderação e refletida sensatez. Um verdadeiro provocador de consciências. Recordo que tinha duas classes, uma da quarta e outra da segunda (hoje seria impensável…). Nós, os “aprendizes de professores” assistíamos às sessões no fundo da sala e, por regra estabelecida, deveríamos “aprender”, didática e pedagogicamente, a “dar aulas”.
Ora, lembro, no dia 9 de Junho de 1964, o Prof. Dionísio, apareceu na sala com um desenho (ou gravura?) de Luís de Camões. Dirigindo-se aos seus alunos, perguntou-lhes se sabiam quem era o figurante, obtendo uma resposta pronta de um rapazinho: é o poeta Camões, zarolho, que escreveu Os Lusíadas. A partir daqui, desenvolveu o Mestre as considerações que julgou oportunas para meninos que tinham entre oito e onze anos. Ao fundo da sala, os seus futuros colegas estavam de olhos e ouvidos pregados no que o Prof. Dionísio ia desfiando, de forma singela, acerca do Poeta. O Dia de Camões celebrou-o o Mestre, antecipadamente, com crianças de maneira apelativa.
Cerca de sessenta anos depois, revivo agora esta cena, porém esquecendo detalhas que terão sido saborosos, como o Mestre dominava soberbamente.
Hoje jubilo: várias cidades, vilas e aldeias celebraram o Poeta. Em Constância, Coimbra, Lisboa, Alvaiázere, Porto, Póvoa de Varzim, Nazo (Miranda do Douro), e muitas mais. Muitas vezes, com jactância, diga-se. Recordo aqui, palavras de Torga, escritas em 1987: «Há tempos, quando um erudito se indignava diante de mim com a leviandade de se atribuírem, a torto e a direito, berços de natalidade ao poeta, retorqui-lhe que, em meu entender, era bom que todas as cidades e aldeias de Portugal lhe disputassem a origem». Torga, na sua plenitude crítica. Acrescento: valorizando a humildade e o conhecimento do Poeta que, segundo o cronista Diogo do Couto, «viveu tão pobre que vivia de amigos».
Na “velha” Escola da Estacada, naquele dia 9 de junho de 1964 foi celebrado o Dia de Camões pela mão do Mestre Dionísio Gonçalves.

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3991

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