A universidade: laboratório de humanidade e horizonte de futuro
Vivemos um tempo paradoxal. Nunca a humanidade teve acesso a tanto conhecimento — e, paradoxalmente, nunca se sentiu tão desorientada. A tecnologia avança a passos largos, mas os valores perdem-se nas encruzilhadas da pressa. O mundo está hiperligado por redes e satélites, mas as pessoas vivem cada vez mais sós. É neste contexto que a universidade precisa de repensar profundamente a sua missão.
O Padre Manuel Antunes, notável pensador português do século XX, propôs um modelo educativo que continua a desafiar-nos pela sua actualidade e profundidade. Para ele, educar era formar “todo o homem e o homem todo” — isto é, cultivar a inteligência, a sensibilidade e o carácter. A universidade, neste ideal, não é apenas um espaço técnico ou profissionalizante: é um laboratório de humanidade, onde se moldam consciências críticas, corações compassivos e mãos criativas, capazes de transformar a realidade.
Não basta formar especialistas. É urgente formar cidadãos globais, enraizados na sua cultura e abertos ao mundo, capazes de pensar com profundidade, agir localmente com sentido global, e conjugar conhecimento com ética, competência com solidariedade. José Eduardo Franco e Jacinto Jardim, inspirando-se no pensamento de Manuel Antunes, propõem um modelo de desenvolvimento integral, preparado para responder às exigências de um mundo globalizado e fragmentado. Precisamos de universidades que unam em vez de separar, que humanizem em vez de mecanizar.
Num tempo marcado por desigualdades gritantes e por crises ambientais sem precedentes, a universidade deve ser mais do que uma fábrica de diplomas: deve ser voz profética, espaço de resistência à cultura do descartável e motor de uma nova ética do cuidado. Esta não é apenas uma questão educativa. É uma questão de civilização.
O Papa Francisco tem insistido numa visão exigente e inspiradora da missão universitária. Em Lisboa, na Universidade Católica Portuguesa, recordou que “educar é acolher e incluir”. E foi mais longe. Alertou para o risco de uma “coca-colização” do ensino — uma globalização sem alma, que uniformiza e esvazia. Disse-o com ironia e com lucidez: há demasiados “discípulos da Coca-Cola espiritual”.
Para Francisco, educar é formar nas três linguagens fundamentais: a da cabeça, a do coração e a das mãos. Pensar o que se sente e se faz. Sentir o que se pensa e se faz. Fazer o que se pensa e se sente. Esta tríade, simultaneamente poética e pedagógica, é o coração de uma verdadeira formação integral — uma pedagogia do sentido.
A universidade precisa de reencontrar-se com a sua vocação original de “universitas2 — comunidade de saber e de vida. Um lugar de encontro entre culturas, ciências, artes e espiritualidades. Um espaço onde se pensa o mundo, mas também se sonha com um mundo novo. Onde se aprende com os livros, mas também com a vida. Onde se prepara o futuro sem esquecer os mais frágeis do presente.
O tempo urge. Não podemos continuar a formar técnicos desligados da realidade, nem alimentar sistemas educativos que esquecem o essencial. A universidade deve ser farol em tempos de escuridão, chama acesa em meio à indiferença, voz que aponta caminhos quando tudo parece ruído.
Se desejamos uma sociedade de rosto humano, com mais justiça, mais cultura e mais fraternidade, temos de começar pela universidade. Mas por uma universidade que arrisque. Que provoque. Que sonhe. Porque só assim educará para a liberdade, para a justiça e para a esperança.