Bragança

Polícia é um apoio social crescente em sociedade cada vez mais envelhecida

Publicado por António G. Rodrigues em Qui, 2023-06-01 15:56

“É a companhia que tenho. Quando vêm cá sinto-me feliz da vida.” O desabafo, ouvido pelo Mensageiro, é de José Miguel Cavaleiro “72 nos feitos”, invisual desde criança, que mora muitas vezes sozinho ao longo do ano. Atualmente tem a companhia da irmã, também ela já a sofrer as agruras da idade e que, por problemas de saúde, tem de se ausentar por vários meses.

“Chego a estar um ano sozinho aqui em casa. Agora é mais complicado. Antigamente ainda tinha saúde e podia andar. Agora só agarrado às paredes ou às cadeiras. Tenho muitos problemas nos pés, na coluna. A única coisa que tenho é o Pai Nosso de cada dia e a minha reformita”, conta.

O programa de Apoio ao Idoso da Polícia de Segurança Pública, no âmbito do Modelo Integrado de Policiamento de Proximidade (MIPP) acompanha, atualmente, 45 idosos em Bragança e 20 em Mirandela.

 

Visita domiciliária

José Miguel Cavaleiro, que chegou a trabalhar numa fábrica em Águeda (Aveiro) é uma dessas pessoas, que recebe a visita regular da PSP de Bragança e, nos últimos meses, de duas estagiárias de Educação Social do Instituto Politécnico de Bragança, Catarina Cardoso, de Vila Nova de Gaia, e Joana Amaro, de Rebordelo (Vinhais).
Numa das visitas no mês de maio, foi-lhe atribuído um aparelho de teleassistência, em parceria com a delegação de Bragança da Cruz Vermelha Portuguesa. Neste caso, durante 18 meses, terá o aparelho de forma gratuita mas, normalmente, existe um custo associado de cerca de 24 euros por mês.

“Tem um botão que permite clicar e ligar diretamente a profissionais, que estão disponíveis 24 horas por dia, em caso de emergência ou queda. Depois a ajuda é encaminhada”, explicou ao Mensageiro Catarina Cardoso, uma das estagiárias que se surpreendeu com o trabalho feito pela Polícia.

“Em Bragança há muitos casos de solidão. Acompanhamos muitos casos. As pessoas não se apercebem que há tantos idosos isolados no meio urbano. Pensam que é um fenómeno que apenas ocorre no meio rural, mas não.

O que é estranho porque nas cidades há sempre muita gente mas, nestas situações, a maior parte tem a família fora da região. Os vizinhos, na maior parte dos casos, estão alerta e têm conhecimento da situação. As redes comunitárias ainda vão funcionando”, sublinha.

Para Luís Fernandes, um dos dois agentes que desde há quatro anos integra estes programas especiais da Polícia (como o Escola Segura), é um trabalho diferente da ideia que a população normalmente têm dos agentes.

“Temos de estar preparados para tudo. Não é só o Polícia que é mau e vai atrás das pessoas mas temos de ter uma parte humana, que tem a ver com isto.
As pessoas já não estranham, já estão habituadas. É uma forma de falarem um bocadinho, de desabafarem. Vamos aconselhando no que podemos”, conta.
Pela sua experiência, nota que esta “é uma realidade que vai crescendo” e em que “as maiores necessidades passam pelo isolamento social, falta de mobilidade e algumas pessoas a falta de apoio social”.

Para José Miguel, este aparelho de teleassistência, que fica ligado à rede telefónica e inclui um botão de alarme que anda sempre consigo e é à prova de água, é um alívio. “Assim, se me acontecer alguma coisa, já tenho um socorro. E isso não há dinheiro que pague”, frisa.

Também em Bragança, Guiomar dos Santos, de 78 anos, vive sozinha há três. E as visitas que recebe da PSP todas as semanas são uma companhia.
“As visitas correm bem. O que converso com eles? O que calha”, diz, encolhendo os ombros.

Nesta que o Mensageiro acompanhou, recebeu uma pulseira do programa “Estou aqui”, que tem um número de identificação e permite o acesso mais célere ao seu processo em caso de emergência. “A pulseira dá-me mais segurança. Não tenho cá família em Bragança”, explica.
“A pulseira estou aqui permite a quem a usa, em caso de se sentir desorientado na rua, ou em caso de queda, ser mais rapidamente identificado. Tem um número específico, de um processo na PSP, com os contactos mais próximos.

No caso de se desorientarem na rua, podem abordar qualquer agente que os encaminha”, explicita Catarina Cardoso.
No âmbito do seu estágio com a PSP, criou o roteiro do SOS – Segurança, Orientações e Soluções, que tem as boas práticas da Polícia e os conselhos a dar aos idosos. “Isto vem completar o trabalho dos agentes”, frisa.

Organizou, também, um batismo de voo, com o apoio do Aeroclube de Bragança, a quatro idosos que integram o programa da PSP.
Na passada quinta-feira, o casal Osvaldo e Maria do Céu Seixas, Natércia Barrigão e Guiomar Santos puderam desfrutar das vistas aéreas da cidade de Bragança. E a reação foi unânime: “foi espetacular”.

Realidade crescente

O Comissário Eusébio Gonçalves, que chefia o Núcleo de Investigação Criminal da PSP, frisa que o trabalho de um polícia vai muito para lá do combate ao crime.
“Fazemos muito mais do que isso. Sempre que temos conhecimento de casos de sinalização de menores, de idosos, de apoio social, fazemos o encaminhamento. Somos muitas vezes os primeiros a dar início a um processo de apoio social.

Uma vez que a Polícia tem cada vez mais uma ação de proximidade, vamos tendo contacto com situações que antigamente não tínhamos”, diz.

Ao Mensageiro, explica que “esta é uma realidade crescente”. “Embora estejamos em zonas urbanas, não deixa de haver isolamento, não deixa de haver solidão. Neste momento, o programa de apoio aos idosos, é uma realidade com tendência para aumentar, porque a população está cada vez mais envelhecida. As famílias não têm possibilidade de acompanhar os familiares diariamente, de lhes dar o acompanhamento necessário.

Também temos uma realidade em que as pessoas têm muitos familiares no estrangeiro ou fora da região. Está a aumentar a necessidade de apoio aos idosos.

O programa Idosos em Segurança é um programa de proximidade e a sinalização parte, muitas vezes, do polícia que faz esse tipo de serviço”, explica.

Eusébio Gonçalves sublinha que “hoje em dia, o Polícia está preparado para muito mais do que combater a criminalidade”.

“Há casos em que as pessoas precisam de apoio alimentar e nós encaminhamos para as instituições que prestam esse apoio. Há todo um trabalho em rede que é feito pelas instituições e nós fazemos parte dessa rede. Outras vezes é a necessidade de conversar. Estão isoladas. Têm necessidade de alguém que perceba apenas se estão bem. O polícia tem de ter essa sensibilidade”, frisa. No entanto, admite que “é um desgaste psicológico, um desgaste mental”. “O polícia leva para casa os problemas dos outros.

O crime acaba por ser um ato isolado e esta realidade existe diariamente”, vinca.

 

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