Populações, Câmara e Juntas de Freguesias unidas contra a exploração mineira na região
Populações, Juntas de Freguesia e Câmara de Bragança parecem, finalmente, unidas em torno da contestação ao projeto de prospeção mineira denominado Valongo 2 e previsto para uma área de 105 quilómetros quadrados da Serra da Nogueira, nos concelhos de Bragança e Vinhais.
As sessões de esclarecimento da empresa GMR, que solicitou a concessão da prospeção, com as populações, terminaram na passada sexta-feira na aldeia de Carrazedo, em Bragança.
António Coelho, um antigo ambientalista que falou em nome da empresa, começou por dizer que a empresa que representa já tinha dito que, face à contestação popular, não iria avançar com qualquer tipo de trabalhos no terreno. Mas nem isso deixou a população descansada.
Ao longo da sessão, foram várias as questões colocadas, com o representante da GMR a admitir “muitas falhas no processo”, incluindo de “organismos estatais”, que não quiseram estar presentes nas sessões apesar de isso ter sido solicitado.
“Leiam com muita atenção este novo regulamento da Europa. Quando vemos um regulamento que diz que mesmo com um estudo de impacto ambiental, se for do superior interesse nacional, a exploração mineira pode avançar. Que [esta sessão] seja o despertar das consciências para o momento em que vivemos”, frisou António Coelho.
A população é que saiu, mais uma vez, pouco convencida. Aliás, estas sessões de esclarecimento serviram sobretudo para reafirmar a ideia de contestação ao projeto.
“Há muitas dúvidas que não foram esclarecidas. Ninguém vem a gastar dinheiro só para fazer a prospeção e ir embora”, dizia Mário Gonçalves, habitante de Carrazedo.
“Não acredito nas palavras que vieram aqui dizer. A partir da prospeção vai haver a exploração. Temos a maior mancha de carvalho negral da Europa, temos turistas que vêm de propósito por estas paisagens, já tivemos casais australianos, que vieram para cá por causa da beleza natural desta região. Com as minas, tudo isto vai acabar”, alertava, por sua vez, António Fernandes, também de Carrazedo.
Os populares levantaram muitas dúvidas quanto à forma como todo o processo foi conduzido, queixando-se de “falta de transparência”, até pela marcação das sessões de esclarecimento depois de findo o prazo de participação na consulta pública.
António Coelho, que se viu desmentido por alguns elementos da plateia ao longo da sessão, de mais de uma hora, garantiu que as sessões foram marcadas em acordo com as juntas de freguesia.
Juntas desmentem empresa
Certo é que, no dia seguinte ao da realização desta última sessão, os presidentes de junta de freguesia da área abrangida pelo projeto, convocaram uma reunião para uma tomada pública de posição sobre o assunto, e que acabou por servir para desmentir a empresa GMR.
“Não foram os presidentes de junta que quiseram as reuniões nesta altura. Foi a empresa que sugeriu as reuniões a partir do dia 08 ao 22.
Fizeram isso com a intenção deliberada para esclarecer as pessoas quando elas já não pudessem fazer nada. Houve uma espécie de traição às populações. Isto tem de chegar à Assembleia da Região.
Se isto não foi feito dentro do período de consulta pública é porque houve negligência de algumas entidades e uma intenção pouco nobre por parte da empresa”, declarou o presidente da Junta de Freguesia de Gostei, Rui Gonçalves, após essa reunião, tida em Formil (uma das anexas da freguesia).
O Mensageiro contactou António Coelho para um esclarecimento sobre este assunto. Contudo, o porta-voz da empresa GMR não respondeu ao email.
As Juntas tornaram pública a sua posição contrária ao avanço da prospeção.
“Esta posição tem um caráter mais simbólico. Deveria ter acontecido ainda em fase de consulta pública. Consegui subscrever a petição que circulou na internet e que contou com quase mil participantes. É uma pena que não tenha acontecido antes. Houve uma intenção deliberada em fazer com que as pessoas percebem o que se estava a passar depois de isso acontecer. É uma jogada pouco nobre. É um país civilizado e isto não é admissível. As pessoas têm de ser informadas devidamente e não andarmos com subterfúgios como esconder pareceres do ICNF, marcar reuniões com as juntas para depois do prazo. Isso foi feito pela empresa e de forma deliberada”, sublinhou Rui Gonçalves, em nome dos autarcas locais.
Câmara também se pronuncia
Dois dias depois, na segunda-feira, em reunião de Câmara, o executivo camarário de Bragança também se pronunciou, finalmente, sobre este assunto.
A autarquia tinha sido chamada a pronunciar-se formalmente em sede da consulta pública e não o fez, dando o seu acordo tácito ao projeto.
Em face ao desenrolar do processo, a autarquia diz agora, em comunicado, que emite “um parecer desfavorável” ao processo que, contudo, não tem qualquer valor legal nesta altura, em que a fase de consulta pública já encerrou.
“Ouvidas várias partes interessadas e face aos contributos apresentados, a Câmara Municipal de Bragança toma a decisão de emitir, publicamente, um parecer desfavorável, apesar de não assente em fundamentação legal, por considerar que as atividades (expectáveis) subsequentes à fase de prospeção e pesquisa, são totalmente incompatíveis com os valores naturais, culturais, sociais e económicos que o Município de Bragança preconiza e defende. A área proposta para a realização dos trabalhos de prospeção e pesquisa e, futuramente, de exploração, irão impactar negativamente no território e nas pessoas, na medida em que vão colidir diretamente com a preservação e a conservação da natureza, com a salvaguarda dos valores culturais e com atividades económicas que importa valorizar e fomentar, designadamente, o turismo, a agricultura, a apicultura, a cinegética, entre outras. Mas, colide, principalmente, com as pessoas, seja de forma direta ou indireta. Por isso, como representantes da população que em nós confiou, independentemente de quem são, do que fazem e de onde vivem, o Município de Bragança assume esta posição pública”, lê-se.
Esta tomada de posição foi aprovada por unanimidade, com os votos dos vereadores do PSD e do PS.
A autarquia alega, ainda, a existência de “28 ocorrências arqueológicas, das quais 64,28% são em território bragançano, tipologicamente distribuídas por sítios com arte rupestre, povoados fortificados, sítios romanos, mina, via, igreja, castelo e achados isolados, perfazendo um total de 18, abarcando os períodos proto-histórico, romano e medieval, entre outros, cuja cronologia é difícil de estabelecer à falta de escavações arqueológicas”.
Contudo, a população continua temerosa de que os trabalhos avancem mesmo.