A opinião de ...

D. JOÃO V – A Medida do Prestígio Régio em Portugal!

Nos 333 anos do nascimento do «Magnânimo», a 22 de outubro de 1689. Rei devoto, absoluto e muito cioso da boa governação, majestático na proteção às artes e ao desenvolvimento da ciência e das letras, foi estadista de referência que recolocou Portugal no mapa. Uma das épocas históricas em que se conjugaram os objetivos fundamentais da Nação: segurança territorial, garante da soberania, bem-estar social e prestígio, interno e externo, do Príncipe. E, no entanto, os traços grotescos da historiografia positivista do século XIX e jacobina da Primeira República emparedou a figura de D. João V entre o convento (religiosidade fanática), a alcova (caprichos mundanos) e o esbanjamento dos dinheiros públicos em palácios e igrejas, deixando o povo à míngua. Redutor e injusto!
Quando D. João V subiu ao trono, em 1706, Portugal estava envolvido na Guerra da Sucessão de Espanha desde 1703, como aliado da Grã-Bretanha e da Áustria, contra a França e a Espanha. Guerra que desgastou militar e socialmente o reino e exauriu os cofres públicos. Uma vez acertada, em Utreque, a paz com a França de Luís XIV (1713) e a Espanha de Filipe V (1715), proclamou, então, a frase com sentido estratégico «cuidemos de nós». Assim, a partir do decénio de 1720, irrompe o fluxo de extração do ouro, produção da carne, óleo de baleia e tabaco do Brasil. A dívida externa foi paga, o soldo dos militares e os rendimentos do funcionalismo foram suprimidos, as contas foram equilibradas, a balança de pagamentos deixou de estar em défice e o povo deixou de ser sobrecarregado de impostos. Afastou da esfera cortesã e de funções do Estado um conjunto de nobres tidos como contrapoderes ou acomodados à sombra do Palácio da Ribeira, as Cortes deixaram de ser convocadas e a máquina do Estado foi restruturada, escolhendo homens de elevada competência para cada Secretaria de Estado, com destaque para o corpo diplomático. Na procura de ter a capacidade necessária a um Estado-imperial, a Marinha foi modernizada e apetrechada, o Exército foi orientado para a defesa territorial das fronteiras e a garantia da ordem pública. O soberano deu, ainda, andamento à magnificência da coroa, ombreando com as de França ou da Áustria, à erudição artístico-religiosa, legando igrejas de fachada barroca, que conjugava religiosidade com poder régio, e altares e retábulos de rara beleza decorativa, de estilo barroco joanino, e à sumptuosidade de grandes obras apalaçadas. Procedeu à abertura de estradas e de canais de irrigação, abastecimento de água das localidades através de aquedutos e fontanários, incentivou o desenvolvimento da agricultura, mediante técnicas de produção modernas, da indústria, ao nível da seda, ourivesaria, vidro, papel, fundição, minas ou cordoaria, e do comércio nacional e transatlântico.
Ao contrário do pai D. Pedro II e do filho D. José I, D. João V não desbaratou o tesouro régio ou derramou o sangue dos súbditos em guerras europeias provocadas pelos arranjos de poder das grandes potências. Na verdade, D. João V capacitou a neutralidade portuguesa e entendeu-se com os atores de referência: i) casamento com Maria Ana da Áustria, reino-tampão da expansão otomana no Sul da Europa e elo de referência na relação com Roma; ii) com a Inglaterra manteve as parcerias comerciais acordadas no Tratado de Methuen, mas esbateu a relação de dependência estratégico-militar; iii) no tocante à França, centrou a atenção na sua ambição na Amazónia, na dinâmica da corte parisiense e no prestigiante protocolo diplomático; iv) relativamente à Espanha desenvolveu políticas de boa vizinhança e definiu as fronteiras do Brasil, em 1750, ano da sua morte; (v) face à Santa Sé, ator charneira no tocante ao prestígio desejado por um soberano espiritualmente inflamado, colocou-a no patamar cimeiro da estratégia diplomática.
A ambição de viver em paz prevaleceu, pese embora a continuidade de guerras europeias, como as a Guerras de Sucessão da Polónia (1733-1738) e da Áustria (1740-1748), chegando a ser árbitro e mediador da conflitualidade. O único envolvimento militar, limitado e diplomaticamente ponderado, ocorreu em 1716 e 1717, no contexto da Batalha do Cabo Matapão, onde a Marinha Portuguesa acorreu ao chamamento do Papa para defesa da cristandade contra os turcos, tendo a sua ação sido decisiva no mar Mediterrâneo. De tal maneira que e a Santa Sé, reconhecida, distinguiu Lisboa com o Patriarcado em 1716 (então o segundo no mundo do rito Latino), ao patriarca a elevação a cardeal, em 1737, e ao próprio D. João V o título de Fidelíssimo, em 1748, que o colocou a par do Muito Católico rei de Espanha, do Cristianíssimo rei de França e de Sua Majestade Apostólica rei da Áustria.
D. João V foi um, ou o último, estadista de prestígio que reinou um Portugal de referência.

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3906

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