Breves memórias da minha geração
Li, ainda há pouco tempo, o excelente livro: “A Vida Quotidiana No Estado Novo”, que foi elaborado pela brilhante escritora Ana Sofia Ferreira, que adorei ler pois, sem planear, recordei a minha própria infância, as dificuldades da minha geração e a nossa viva quotidiana. Li, com toda a atenção, como eram na realidade, os tempos que eu, e os meus colegas e amigos, vivemos e éramos felizes…Nasci em 20 de outubro de 1953, na freguesia de Salvador, na vila de Arcos de Valdevez, mas fui muito novo viver para a cidade de Viana do Castelo, mais precisamente para a rua Manuel Espregueira e tive o privilégio de estudar no Colégio do Minho. Na aldeia em que tenho propriedades, eu adorava brincar com os meus amigos da minha idade e, as nossas brincadeiras eram: jogar à bola; jogar com um espeto; às escondidas; aos piões, etc. etc. etc. A maior parte das pessoas do povo andavam descalços ou de tamancas, (mas para se entrar numa vila ou cidade, eles (e elas…) que vinham descalços mas trazendo o “calçado” aos ombros, presos pelos cordões, para não pagarem multa, tinham de se calçar. A maioria dos homens do povo andavam diariamente vestidos para trabalharem nos campos (com as enxadas ou sacholas, ou na frente com uma vara na mão para conduzirem os carros de vacas ou, em Trás-os-Montes de mulas, ou outros animais) e só vestiam melhor ao domingo para irem à missa, por isso se dizia que vestiam o “fato domingueiro”, que era também para as “ocasiões solenes”, como casamentos, batizados e outros atos cerimoniosos…As mulheres estavam submetidas aos homens (com raras exceções…) e trabalhavam nas labutas da casa, de tratar dos filhos e ajudavam o homem a tratar da horta e muitas outras lides domésticas e agrícolas. Nas aldeias comia-se chouriço; pão; produtos da agricultura; bacalhau (mas não era todos os dias) e bolas…em dias de festa uma posta carne ou como se diz em Trás-os-Montes, de chicha…Havia as escolas primárias masculinas e as femininas, muitas delas sem o menor conforto (eram muitas vezes aquecidas por uma “braseira” cujas brasas os alunos traziam de casa). Enfim até os isqueiros eram proibidos, só se podiam acender dentro de casa (debaixo de telha), ou quem tinha uma licença específica paga, senão…uma multa. Hoje se contarmos aos nossos alunos, alguns filhos ou netos, eles nem acreditam, como é se podia viver assim? Há e havia respeito, muito respeito pelos mais velhos, pelos senhores padres e pelas senhoras professoras e professores. De facto, a educação vem de casa, na escola é mais a instrução e também, como é lógico também formação. A minha geração, devido à pobreza e, depois à guerra colonial, emigrou quase toda, e essa emigração era feita “a salto”, isto é ilegalmente. E muitas aldeias começaram a ficar vazias…Para finalizar vou contar-vos um episódio que ocorreu comigo numa data memorável (1961). Era eu ainda um miúdo e “apanhei” uma doença, muito frequente naquela época, o sarampo. Estava eu no último andar da minha casa em Viana, com as luzes e cobertores vermelhos (era assim que se tratava esta doença), quando me deu a fome e reparei que a minha querida mãe, contrariamente ao habitual, estava atrasada em me dar de comer. Toquei a campainha que tinha junto à minha cama para ela me vir socorrer. Passados poucos minutos, ouço os seus sapatos a subir as escadas e, de repente, mas com um aspecto aterrorizado disse-me: “Desculpa Toninho, o teu pai e o teu irmão (mais velho do que eu) estão colados ao rádio pois dizem que rebentou uma guerra (na altura diziam terrorismo) em Angola. Daí para a frente começou tudo a ser diferente, embora muito lentamente, até ao 25 de abril…Aconselho vivamente os meus leitores a lerem este magnifico livro de Ana Sofia Ferreira, intitulado “A Vida Quotidiana No Estado Novo”. Boas leituras.