A opinião de ...

As mulheres na Academia Socialista

Eu sou do tempo em que a mulher portuguesa era educada para obedecer e o homem para mandar. Ao contrário deste, a mulher tinha muitos deveres e poucos direitos. O seu projeto de vida era fazer um bom casamento, o que significava ter boa casa e mesa farta, cuidar das lides domésticas e agradar ao marido. A sociedade exigia-lhe que fosse boa filha, boa esposa, boa mãe. Era educada para ser “a fada do lar”. O homem era o chefe de família, com autoridade sobre a educação dos filhos e a gestão dos bens próprios e da consorte. O divórcio era proibido. A mulher não podia sair do país sem autorização do marido, que também lhe podia abrir a correspondência. Para exercer uma atividade profissional, precisava da permissão do homem. Se fosse enfermeira, tinha de ficar solteira. Se fosse professora, tinha de pedir autorização para casar. As mulheres não podiam se juízas, embaixadoras, autarcas, militares ou polícias. Ganhavam praticamente metade do salário dos homens e não podiam votar.
Foi este, em traços gerais, o retrato da condição da mulher antes do 25 de Abril que apresentei aos 80 jovens da segunda edição da Academia Socialista, no painel “As mulheres na história do PS”, em que também participou a eurodeputada Margarida Marques, com moderação de Diogo Vintém.
Parafraseando Batista Bastos, nas suas Conversas Secretas, perguntei, retoricamente, “onde é que estavam as mulheres no 25 de Abril?”. E respondi. Estavam lá a fazer a revolução. Podem ter estado afastadas dos holofotes, podem ter sido ignoradas pelos escribas e pelos fotógrafos, mas elas estavam lá, como sempre estiveram em todos os grandes momentos da História. Só não estiveram quando as aprisionaram em casa e lhes sonegaram direitos fundamentais como o direito de elegerem e serem eleitas. Quando as silenciaram e as tornaram invisíveis.
A escritora inglesa Mary Beard, no interessante livro Women & Power, explica como a negação do direito das mulheres à palavra vem de longe. Homero, na Odisseia, conta que o filho de Ulisses e Penélope manda a mãe recolher-se ao gineceu, alegando que “falar é negócio de homens”. A misoginia tem séculos e muitas faces. A dos talibãs e de outros ditadores é a mais óbvia. Mas Trump e Bolsonaro usaram-na no combate político contra Hillary Clinton e Dilma Rousseff. A agressividade verbal continua, aliás, a ser o principal recurso de intimidação e silenciamento das mulheres sempre que ousam sair do anonimato e conquistar o reconhecimento público. A misoginia de outrora está presente no discurso de ódio e é hoje muito amplificada nas redes sociais.
Depois do 25 de Abril, as mulheres, como a poesia, saíram à rua, ocuparam o espaço público e conquistaram direitos, designadamente o direito ao voto sem restrições. Referi com orgulho que o PS esteve na linha da frente dos enormes avanços em matéria de igualdade e que toda a legislação progressista tem a marca indelével do PS. Com Mário Soares, Salgado Zenha e Almeida Santos, foi produzida a legislação que serviu de base à nova sociedade democrática, de que a Constituição da República e a revisão do Código Civil são os grandes marcos históricos. Os governos de António Guterres, José Sócrates e António Costa continuaram a deixar a marca do PS, aprovando leis que mudaram a vida da mulher e a sociedade em Portugal. De que são bons exemplos, a lei da paridade na política e nas empresas, a despenalização da IVG, a lei da parentalidade, as leis de prevenção e combate à violência doméstica e de proteção da vítima, de redução das desigualdades e de conciliação entre a vida familiar e profissional.
Apesar dos inegáveis progressos alcançados nas últimas décadas a nível legislativo, sabemos bem que uma coisa é a lei e outra, bem diferente, é a realidade. Estamos longe de ver reconhecidos socialmente às mulheres todos os direitos que são reconhecidos aos homens. O direito à palavra, ao espaço público e mediático, à tomada de decisão e ao poder político e económico. E mesmo o direito ao erro que é reconhecido a todo o ser humano, exceto à mulher. E, sim, neste domínio, nada pode ser considerado adquirido para sempre. A história diz-nos que a igualdade de género é um processo feito de avanços e recuos.

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