A opinião de ...

Agora, escolha

Há 37 anos, a RTP estreou um programa que se popularizou rapidamente, apresentado por Vera Roquete.
Chama-se ‘Agora escolha’ e permitia ao espectador escolher uma de duas séries para ver, através do voto telefónico, enquanto passava em antena uma outra série.
Trinta e sete anos depois, a escolha dos deputados ainda não é feita diretamente por um programa de televisão (se calhar, porque ainda ninguém pensou nisso), mas tem dado pano para mangas e verdadeiras novelas, com juras de amor, paixões e traições.
As eleições são, sempre, momentos particularmente sensíveis e que mexem com o âmago dos cidadãos.
O caso paradigmático será o das eleições autárquicas, pelo caráter de proximidade, levando, muitas vezes, a clivagens dentro das próprias famílias.
Seguem-se, nesta escala decrescente, as Legislativas, pelo caráter mais nacional. Só depois, neste ‘medidor de paixões provocadas por atos eleitorais’ as Presidenciais e, em última instância, as Europeias.
Este exacerbamento de sentimentos não é novo nem, sequer, exclusivo dos atos eleitorais. O mesmo fenómeno é estudado no jornalismo, entre os valores notícia (aqueles que ajudam a selecionar e a hierarquizar os factos noticiados), em que a proximidade assume um lugar de particular importância (a par de outros como a novidade, a relevância, etc) e já foi, inclusivamente, alvo da atenção de Eça de Queiroz, no século XIX.
Na altura, Eça escreveu sobre uma reunião de um grupo de amigos numa casa na província, em que uma senhora dava conta das notícias que vinham no jornal local, acabado de chegar. Os “horrores” dos vários desastres pelo mundo sucediam-se, com apartes de aborrecimento: um terramoto que matara duas mil pessoas na ilha de Java, na Hungria um rio transbordara e causara vítimas e prejuízos sem fim, na Bélgica greves e repressão, um descarrilamento trágico no sul de França, etc.
A senhora que ia debitando as notícias do jornal, de súbito “solta um grito, leva as mãos à cabeça: Santo Deus!” “Todos nos erguemos, num sobressalto. E ela, no seu espanto e terror, balbuciando: ‘foi a Luísa Carneiro, da Bela Vista, torceu um pé!’ Então a sala inteira se alvoroçou, num tumulto de surpresa e desgosto”, escreveu Eça. É que “todos nós conhecíamos a Luisinha” e ninguém sabia quem eram os javanezes, os húngaros, os belgas ou os franceses atingidos pelas tragédias distantes.
Ou seja, a proximidade confere mais emotividade às escolhas.
Agora que todos os dados são conhecidos, resta ao eleitor escolher. Não pela televisão, mas pelo voto em urna. Sabendo que as próximas eleições serão importantes para o nosso futuro, o que é particularmente decisivo pois é lá, no futuro, que passaremos o resto das nossas vidas...

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3970

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