E, contudo, vivemos melhor
Por estes últimos tempos, quem ouve as notícias, em Portugal, fica com a impressão de sentir um país a desagregar-se de tanta maledicência que ouvimos sobre tudo e sobre todos, todos os dias. Nuns casos, a maledicência vem do sectarismo ideológico; noutros, da má formação científica e cívica que não deixa considerar toda a complexidade dos fenómenos que avaliamos. A avaliação é um processo muito complicado e exigente. Noutros casos ainda, a maledicência deriva de distúrbios de personalidade e/ou de temperamento.
Isto não quer dizer que devamos estar calados ou abster-nos da pronúncia sobre as ocorrências da nossa vida colectiva. Se os cidadãos acham que um processo ou uma lei está mal, devem expressá-lo e explicá-lo, mas não fazer juízos de valor sobre as pessoas. A crítica é fundamental na evolução das sociedades, mas é a crítica educada e fundamentada. Dou um exemplo: muita gente diz mal do sistema de saúde mas esquece todos os casos em que o sistema de saúde foi um sucesso. Ora, há muitos mais casos de sucesso do que de insucesso e corrupção. Além disso, é muito difícil ao cidadão comum avaliar o sistema de saúde, simplesmente porque não o conhece. Outro exemplo é o sistema de Justiça. Está nas bocas do mundo, mas que sabemos nós dele para falarmos com propriedade?
Muitas vezes, são as estruturas de mediação entre nós e os fenómenos sociais que nos moldam o pensamento. Partidos, igrejas, órgãos de comunicação social, redes sociais dão-nos a sua versão valorativa dos acontecimentos e factos políticos e sociais e nós vamos, qual «maria vai com as outras», atrás deles.
Recentemente, as projectadas alterações ao Código do Trabalho puseram em guerra o operariado contra o Governo. Repare-se: não puseram ainda em guerra os patrões contra os trabalhadores, ou «colaboradores» na linguagem manipuladora de agora. Neste caso, foi o Governo que andou mal, que não apresentou devidamente as suas ideias às estruturas de mediação sindical como que a querer saber por vias travessas até onde pode ir. Os patrões têm estado calados, não apenas porque pensam que este Governo lhes vai ser favorável, mas também porque não conhecem o projecto de lei em pormenor. Resultado: o Governo semeou e colheu tempestades. Só por três vezes em 50 anos, CGTP e UGT se puseram de acordo para a greve e os motivos dos três acordos foram sempre pertinentes. Por isso, a crítica deriva muitas vezes da má organização, da má comunicação e da falta de diálogo dos dirigentes.
Apesar de termos evoluído bem na maior parte das áreas sociais, não é o caso do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), o mais completo indicador na comparação dos países. Em 1975, éramos o 23º país, hoje, somos o 42º, também porque o número de países avaliados subiu de 140 para 191. Mesmo assim, pertencemos ao grupo dos 17% de pessoas que vivem melhor à superfície da terra.
Valerá a pena substituir a maledicência pela crítica bem intencionada e lançarmo-nos à obra.
