A opinião de ...

O Plano de Recuperação e Resiliência

O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), recentemente submetido a consulta pública pelo Governo, encontra-se organizado em três dimensões estruturantes: a Resiliência, a Transição Climática e a Transição Digital.
Ao que é público o PRR não agradou a diversas entidades públicas e privadas e aos diversos setores de atividade. Também no que concerne ao setor do Ambiente, nomeadamente aos resíduos urbanos (RU) a insatisfação existe e, nesse sentido, apresentaram a sua pronúncia entidades como a ESGRA – Associação para a Gestão de Resíduos Urbanos.
Importa recordar que os Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos, em estreita articulação com os Municípios, asseguram a prestação do serviço público essencial de gestão de RU. Aliás, destacamos a relevância que o setor tem evidenciado desde o início da pandemia, através da capacidade de resposta a cenários extraordinários e de elevado nível de incerteza, capacidade de organização e de resiliência, preservando sempre a saúde pública, a limpeza e higiene dos espaços públicos e o tratamento diário dos resíduos.
De acordo com os últimos dados oficiais sobre a caracterização do setor dos RU em 2019 foram produzidas 5,281 milhões de toneladas, mantendo-se a tendência de crescimento do valor da capitação de 513 Kg/hab/ano, acima da média Europeia de 489Kg/hab/ano.
Quanto aos níveis de desempenho, apesar do evidente desenvolvimento do setor nos últimos 20 anos, com o país dotado, na sua globalidade, de infraestruturas que permitem a adequada gestão dos resíduos, a verdade é que a deposição em aterro atingiu 58% dos RU produzidos em Portugal, estando obrigado a diminuir este valor até 10%, em 2035.
Estando a produção de resíduos presente em todas as atividades consideramos que essa atividade não se encontra devidamente representada nas três dimensões do PRR, face ao que representa o seu papel e o que pode ser o seu contributo tendo em conta a transversalidade da sua natureza e presença. Com efeito, os princípios subjacentes a um modelo de economia circular (EC), a que a União Europeia se encontra comprometida a alcançar, devem estar presentes em toda a cadeia de valor, na qual a gestão de resíduos pode e deve ter um papel determinante enquanto gestão de recursos e driver force para diminuir o recurso à extração de matérias primas críticas e escassas.
A nosso ver a importância da promoção da transição da economia para um modelo circular não se encontra refletida no PRR, nem o papel dos resíduos neste contexto. A EC e o crescimento económico das Organizações são aplicáveis aos resíduos. Torna-se, por isso, necessário enquadrar o setor dos resíduos na transformação dos processos produtivos e na conceção de novos materiais a partir de material reciclado e reciclável. Este setor tem o conhecimento necessário para facilitar a implementação da EC em toda a cadeia de valor. Para apoiar, facilitar e operar iniciativas eficientes e eficazes de prevenção de resíduos, o setor deve participar no processo de transformação da indústria e a política de gestão de RU deverá ser orientada em direção ao estabelecido no Green Deal para 2030.
O bom funcionamento dos mercados é crucial para a gestão sustentável dos recursos e transição para a EC, devendo o setor dos resíduos ser chamado, juntamente com os todos os parceiros da cadeia de valor, a contribuir para a definição das condições e mecanismos de mercado em direção a um modelo de circularidade.
A definição dos requisitos obrigatórios de conceção e marcação de produtos para tornar mais fácil e seguro desmontar, reutilizar e reciclar e a partilha de informações entre os fabricantes e as empresas de reciclagem são fundamentais para permitir aumentar a durabilidade e a possibilidade de reutilização e de reciclagem de determinados produtos, sendo muito importante o envolvimento do setor da gestão de resíduos. A EC pode ser aplicada à industrialização do setor, mas para isso, o mesmo deve fazer parte integrante das novas descrições de competências à luz do PRR.
Em suma, considerando o papel e o peso que a transformação de um modelo de gestão de resíduos para um modelo em que se pretende gerir recursos, pode e deve constar nas três dimensões estruturantes do PRR. Entendemos que tal contributo não se encontra refletido no documento em consulta esperando-se que o setor dos resíduos “não fique para trás”.

15 de abril de 2021.

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3832

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