Ecoando a Fratelli Tutti (IV)
Face à noite de um mundo fechado, onde abundam bairros negros, o papa sugere o cenário dum mundo aberto iluminado por corações abertos, sem fronteiras.
O grande início desse cenário onírico, mas não utópico, passa pelo reconhecimento da dignidade humana. Para se caminhar rumo à amizade social e à fraternidade universal, há que fazer algo de basilar e essencial: dar-se conta de quanto vale um ser humano, de quanto vale uma pessoa, sempre e em qualquer circunstância (106). O amor implica que eu considere o outro precioso, digno, aprazível e bom, independentemente das aparências físicas ou morais (94). Ninguém é inútil ou supérfluo (215).
Quando abrimos a página evangélica do Bom Samaritano, damo-nos conta de quem reconhece a dignidade, não como um exercício intelectual mas natural. O sacerdote e o levita não foram capazes de perder uns minutos para cuidar do ferido ou, pelo menos, procurar ajuda. Já o samaritano parou, ofereceu-lhe proximidade, curou-o com as próprias mãos, pôs também dinheiro do seu bolso e ocupou-se dele. Sobretudo deu-lhe algo que, neste mundo apressado, regateamos tanto: deu-lhe o seu tempo, apesar de ter certamente os seus planos (63). A dádiva do tempo! O papa alerta que a vida não é tempo que passa, mas tempo de encontro (66) com a realidade, sobretudo quando nos possibilita ser constantes e incansáveis no compromisso de incluir, integrar, levantar quem está caído (77). Daí a importância da cultura do encontro (216): aproximar-se, expressar-se, ouvir, olhar, conhecer, esforçar-se por entender, procurar pontos de contacto, tudo isto que se resume no verbo dialogar (198). Trata-se do milagre da amabilidade enquanto libertação da crueldade, da ansiedade e da urgência distraída (224).
Uma característica de relevo no samaritano é o facto de ter partido sem esperar reconhecimentos nem obrigados. A dedicação ao serviço era a grande satisfação diante do seu Deus e na própria vida (79). Ele, que livre de todas as etiquetas e estruturas, foi capaz de interromper a sua viagem, mudar os seus programas, estar disponível para se abrir à surpresa do homem ferido que precisava dele (101) é modelo do ser humano fraterno, livre e gratuito.
É, portanto, fundamental que se eduque para a fraternidade, porque esta tem algo de positivo a oferecer à liberdade e à igualdade. Que sucede quando não há a fraternidade conscientemente cultivada, quando não há uma vontade política de fraternidade, traduzida numa educação para a fraternidade, o diálogo, a descoberta da reciprocidade e enriquecimento mútuo como valores? Sucede que a liberdade se atenua, predominando assim uma condição de solidão, de pura autonomia para pertencer a alguém ou a alguma coisa, ou apenas para possuir e desfrutar de algo (103). Por outro lado, pelo que respeita à igualdade, a mera soma dos interesses individuais não é capaz de gerar um mundo melhor para toda a humanidade (105