Nordeste Transmontano

Alterações climáticas ameaçam dizimar produção de castanha deste ano e deixam agricultores a pensar em desistir

Publicado por António G. Rodrigues em Qui, 2023-10-12 16:51

O desânimo instalou-se entre os produtores de castanha do Nordeste Transmontano que, depois de um ano marcado pela seca e por quebras de produção superiores aos 80 por cento, se vêm agora a braços com nova praga, que ameaça a produção de 2023, a septoriose.

Trata-se de um fungo, que se instala nos castanheiros quando há humidade e temperaturas elevadas.

Se as chuvas que caíram em setembro foram recebidas com alegria, as altas temperaturas das últimas semanas deixaram uma triste imagem pelos soutos da região.

“Quem anda no terreno todos os dias, consegue ver o que está a acontecer. Há castanheiros que não foram tratados e têm septoriose e outros que foram tratados e também têm. Estava um ano bestial e agora está um ano de besta. Passou de bestial a besta em 15 dias”, lamenta Bruno Teixeira, produtor de castanhas com soutos nos concelhos de Macedo de Cavaleiros e de Bragança.

“Tenho mais pena das pessoas que vão apanhar as castanhas à mão. A septoriose seca o canelo entre a árvore e a folha e entre a árvore e o ouriço, que seca sem que as castanhas se formem”, explica. Por isso, está convencido que “vai haver quebra de produção”. “Tenho árvores que já só tem ouriços em cima”, desabafou ao Mensageiro.  
Uma machadada num ano que se esperava de recuperação económica para a fileira após um ano de grandes perdas. E que, associado ao contexto atual, está a deixar os produtores desanimados. “Temos os subsídios congelados. Sem a receita de castanha e sem subsídios, como vão fazer os agricultores?

A economia vai levar tareia. Os restaurantes vão notar, as casas agrícolas vão notar. Só dá vontade de acabar com a fileira da castanha e encostar às boxes. É o desânimo total.

Já vi agricultores com sopradores a juntar as folhas que já caíram e a queimá-las. Pensávamos que íamos fazer umas coroas para pagar as despesas e olha... É triste e desmotivante”, lamenta Bruno Teixeira.

Carlos Fernandes também é produtor de castanhas, com soutos em pleno Parque Natural de Montesinho. Aponta o dedo aos governantes e nem o presidente da República escapa.

“Há castanheiros, noutras zonas, que mais parecem ter sido afetados por uma geada negra. É triste este espetáculo. Provavelmente, a produção deste ano não chegará aos 50 por cento da do ano passado, que já foi muito má.

Como se isto não bastasse, estamos confrontados com o abandono da agricultura por parte do Governo. E até o Sr. Presidente da República se esqueceu de tirar uma selfie com o presidente do IFAP, que não tem dinheiro para pagar os subsídios aos agricultores”, diz, revoltado.

Alterações climáticas ameaçam fileira

Produtores e associações de produtores apontam para quebras na produção que podem começar nos 30 por cento mas ultrapassar os 70 por cento.

Como ainda só agora começou a campanha, com as variedades mais temporãs, o grosso da produção ainda estaria em fase de maturação e crescimento, com as variedades mais comuns na região, como a judia e a longal, a caírem mais perto do final de outubro.

Só nessa altura se poderá ter uma real dimensão do estrago. Mas uma coisa é certa, estrago vai haver.

A investigadora Eugénia Gouveia, do Instituto Politécnio de Bragança, acredita que esta situação está relacionada com as alterações climáticas que se vão notando com o aumento das temperaturas médicas. Em 2023, bateram-se vários recordes.

“É uma situação de exceção. São estes fenómenos extremos que vão acontecendo ao nível do clima e cada vez têm uma extensão maior.

Embora haja alturas em que seja mais ameno o tempo, agora não. É natural que o castanheiro reaja muito rapidamente a estas alterações e seja generalizado”, frisou.
Neste caso, considera que se trata de uma “situação de exceção”, provocada por um fungo.
“Quando se trata de uma doença, [o ataque] não é tão generalizado”, explica.

Consequências na produção deste ano e na do próximo

A investigadora explica que este fungo provoca a “seca das folhas, como se fosse um outono muito adiantado”.
“Mesmo nas condições normais, não é muito normal, pois tem havido uma grande amplitude térmica entre dia e noite”.

As consequências para este ano passam pelo antecipar da produção, pois a castanha pode cair mais cedo, sem estar ainda completamente formada e com o calibre ideal. Mas as consequências vão fazer-se sentir também na próxima campanha. “Não havendo folhas com reservas para a diferenciação dos gomos, a produção pode ficar comprometida para o próximo ano”, explica Eugénia Gouveia.

A especialista indica que “o ideal é tratar os castanheiros quando as folhas estiverem caídas”.
E o tratamento passa pela aplicação de cobre. “Pode aplicar-se nos finais de agosto, para evitar estas circunstâncias”.

Confraria pede medidas de apoio ao Governo

A Confraria Ibérica da Castanha não esconde a preocupação com a situação que se tem verificado nos últimos dias, que pode pôr em perigo toda a fileira e, a reboque disso, a própria sobrevivência das aldeias do Interior do país.

“Estudos recentes indicam que se não tivéssemos o crescimento desta cultura da castanha como tivemos nos últimos anos, as nossas freguesias poderiam ter tido um despovoamento mais acelerado, de 20 por cento acima daquele que se verificou”, sublinhou a Grã-Maestrina, Sónia Geraldes, ao Mensageiro.

 “É um prejuízo muito grande. Não só financeiro mas sobretudo ecológico e social.

O castanheiro não nos dá só benefícios financeiros mas ao ecossistema e sociais”, destaca.

Para além disso, “há também todo um conjunto de outros recursos que podemos associar ao souto, como o mel, os cogumelos, que são vendidos entre os 8 e os 20 euros nos mercados internacionais”, recorda.

Quanto à castanha, teme “que os mercados não respondam a valorizar de forma justa a castanha que vamos tendo”. “Se inicialmente se comportaram como sendo um ano de excelência, agora temos este problema, Vamos ter quebras acentuadas de produção, antevê.

E “nesta fase, já não se consegue fazer nada em termo de tratamento”.

Por isso, a Confraria defende que o Governo, “atendendo à importância em todas as dimensões que o castanheiro tem, que houvesse medidas que pudessem compensar o agricultor pelas quebras comprovadas”.

“Temos de olhar para a dimensão social e ecológica. Uma quebra de produção vai impactar na vida dos produtores e de toda a economia à volta desta cultura”, frisa Sónia Geraldes.

Para isso, defende que a solução passe por um método de “calcular um valor médio de produção e um valor médio de mercado e, a partir daí, desenvolver mecanismos e medidas que possam apoiar, para não ser uma cultura abandonada e que traga mais abandono às freguesias”.

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