Entrevista a Rui Ferreira (delegado de saúde de Mirandela)

"Primeiro caso e lares de idosos foram as situações mais complicadas de gerir durante a pandemia"

Publicado por Fernando Pires em Sex, 2022-03-11 13:10

O delegado de saúde de Mirandela faz, ao Mensageiro, o balanço de dois anos de pandemia no distrito, que já ceifou 390 vidas no Nordeste Transmontano.

No próximo domingo, 13 de março, completam-se dois anos desde que o distrito de Bragança registou o primeiro caso do novo coronavírus.
Um homem de 53 anos que foi infetado numa viagem profissional à zona do Porto. Três semanas depois foi dado como recuperado, uma realidade bem diferente da atual, em que um caso positivo cumpre apenas sete dias de isolamento.
A primeira morte no distrito foi registada a 28 de março de 2020, de um homem de 72 anos, natural de Mirandela mas residente em Bragança.
Altura para um balanço, numa entrevista com o delegado de saúde de Mirandela, Rui Ferreira, que integra a equipa de saúde pública do distrito de Bragança, liderada por Inácia Rosa.

Mensageiro de Bragança: Quais os números oficiais da pandemia no distrito, durante estes dois anos?
Rui Ferreira:
Até ao momento, no distrito de Bragança tivemos 31 018 casos confirmados, que resultaram em 390 óbitos. Foram realizados pela ULSNE 150 mil testes e uma indicação importante é de que atualmente o número de testes positivos, proporcionalmente aos testes realizados, diminuiu significativamente.

MB.: Foram tempos de exceção, de exigência e de desafios constantes. A equipa de saúde pública esteve à altura na gestão da pandemia?
RF.:
Conseguimos gerir a situação da melhor forma possível atendendo aos meios que tivemos. Nunca houve situações em atraso, sempre contactávamos as pessoas, ao contrário do que aconteceu em outras regiões. Para isso, tivemos de utilizar os recursos com inteligência, recorrendo a colaboradores que não estavam direcionados para estas áreas, mas que foram sendo integrados e fizemos isso muito antes das outras unidades de saúde pública do País. Ou seja, tivemos a atitude certa de recrutar e treinar profissionais que já eram da saúde pública mas que foram vocacionados para estas áreas relacionadas com a pandemia. Por outro lado, pedimos colaboração a outras áreas da ULSNE que também colaboraram fornecendo mais funcionários e mesmo entidades externas, como câmaras, também nos ajudaram em situações pontuais. Tivemos de nos adaptar em função das necessidades e penso que foi feita uma gestão inteligente dos recursos e houve uma resposta muito boa dos profissionais porque sentiram que estavam a ser úteis.

MB.: Pode dizer-se que foi um desafio ganho pela saúde pública do distrito?
RF.:
Foi um desafio ganho e fiquei muito surpreendido com o desempenho que os profissionais tiveram. Empenharam-se a 100 por cento, estivemos muitos meses sem fins-de-semana a começar a trabalhar muito cedo e a acabar muito tarde. Tudo isto, porque as pessoas empenharam-se num serviço público importante.

MB.: Qual o momento mais crítico destes dois anos?
RF.:
Considero que houve dois momentos mais complicados. O primeiro caso que tivemos, em Mirandela, porque quando aconteceu soaram logo as campainhas e houve um pânico generalizado. Ainda assim, nesse dia, logo às sete horas da manhã já estávamos a reunir a equipa para começar a trabalhar, mas havia alguma dificuldade para saber qual era a estratégia a seguir, como íamos gerir as pessoas e combater os casos. Depois, a situação mais pesada foi quando a pandemia atingiu os mais vulneráveis, e particularmente os idosos concentrados em lares porque a mortalidade em idosos era elevada ainda antes da vacinação. Foram situações muito difíceis de gerir na altura.

MB.: A grande redução de casos, hoje em dia, tem a ver com a redução de testagem?
RF.:
Não deixa de ter ligação, mas acontece principalmente porque as pessoas não têm sentido sintomas que as leve a correr para a realização de testes.

MB.: Mas isto ainda não acabou, apesar de agora pouco ou nada se falar de Covid-19...
RF.:
Claro que não, mas é notória a redução de novos casos de infeção. Ainda assim, temos de continuar a tomar as medidas de auto proteção. Para além disso, ainda continuamos em situação de alerta até dia 22 de março, mantendo-se em vigor todas as regras fixadas pelo Conselho de Ministros de 18 de fevereiro.

MB.: O carnaval já aconteceu nos moldes habituais em algumas localidades do distrito. Estão preocupados de que possam aparecer novos casos?
RF.:
Não temos qualquer indicador que nos leve a ficar preocupados, até porque os números continuam a ser muito reduzidos, sinal de que as pessoas tomaram consciência de que é a primeira linha de defesa contra a pandemia. Tem havido muita informação e as pessoas já sabem os cuidados que devem ter. Foi como que um processo de aprendizagem para todos.

MB.: Qual será a estratégia para este ano? O vírus será tratado como uma mera constipação?
RF.:
Temos de manter a vigilância e as medidas de proteção individual e o reforço da vacinação. Provavelmente, podemos ter de nos adaptar a novas estirpes e as vacinas terão de levar isso em conta. Admito que estas novas estirpes podem vir a ser integrados nas constipações comuns, futuramente, mas não estamos libertos de que possa acontecer uma variante que possa ser mais violenta, pelo que temos de nos manter vigilantes. Mas não podemos ficar reféns da doença, porque temos de trabalhar, de nos divertir, mas temos de ter consciência de tomar alguns cuidados.

 

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