A obra do resgate dos marranos em Lagoaça
Como é sabido de todos, Lagoaça foi sempre terra com muitos judeus e, após o decreto de expulsão, publicado em 1496, em que deixaram de existir oficialmente, judeus em Portugal, o culto manteve-se, sobretudo nas zonas mais afastadas do nosso país, como é o caso de Lagoaça, Freixo de Espada à Cinta, Vilarinho dos Galegos, Carção, Argozelo, entre muitas outras, só para falar de povoações transmontanas. Começa assim, a época dos criptojudaísmo, ou seja, praticavam o culto judaico às ocultas. Quem não se convertesse “oficialmente” ao cristianismo teria de sair do país, indo assim criar riqueza por esse mundo além. Quem ficou, oficialmente eram os chamados cristãos-novos, praticando, no recato seu lar, ou no de correligionários, o culto hebraico, em muito segredo. Depreciativamente, começaram a chamar-lhes marranos. Como escreveu o meu amigo João Guerra: “A degradação das comunidades judaicas portuguesas acontece progressivamente, sobretudo a partir de 1536, quando é estabelecida a Inquisição.
Agora, a sobrevivência das comunidades judaicas, enquanto tal, impunha a preservação da sua religião e identidade, enfrentando e adaptando-se às novas circunstâncias de perseguição e terror. Assim, os judeus (marranos) portugueses, vivem o judaísmo possível, observado religiosamente na medida que lhes é possível, com um inequívoco sentido de identidade. Este processo passou por uma atitude de comunidade. Foram inventadas formas subtis e engenhosas de preservar e praticar a religião e tradições judaicas, ocultando essas práticas ao mundo alheio, transmitindo-se entre famílias de geração em geração até aos nossos dias”.
Após séculos de discriminação, perseguição e tortura, em 1821, a Inquisição foi extinta, não querendo isso significar que o preconceito anti-judaico, deixasse de existir, mesmo em Trás-os-Montes, onde eram numerosas os criptojudeus. A mentalidade muda muito lentamente…O liberalismo e, mais tarde, a República, aliviaram algum sufoco quer físico, quer sobretudo psicológico em que viveram as nossas comunidades judaicas (marranas), procurando estas afirmarem-se como tal, continuando, no entanto a manter um rigoroso secretismo, marca que ficou gravada na sua memória colectiva, pela Inquisição, até aí sempre omnipresente e omnipresente. Esse medo fez-se sentir muito para lá da sua extinção, e, em certa medida, ainda hoje está presente no subconsciente de muitos descendentes de judeus.
No século XX, deu-se ao crescimento da população judaica em Portugal, não só pela vinda de estrangeiros, à medida que o nazismo e o fascismo se iam instalando, mas, sobretudo, e é isso que mais nos interessa, pela OBRA DO RESGATE, fundada por um judeu português, o capitão Barros Basto (Ben-Rosh). Esta obra, destinava-se a restituir ao judaísmo português a grandeza de outros tempos, ajudando a: “resgatar as suas comunidades do cativeiro físico de dispersão e isolamento do mundo judaico e sobretudo do cativeiro espiritual para onde séculos de perseguições e clandestinidade os haviam atirado (…) A comunidade israelita do Porto foi fundada em 1923 pelo capitão Barros Basto. Também fruto do movimento judaico da “Obra do Resgate” foram constituídas formalmente nos anos 20 e 30 as comunidades judaicas de Bragança, Covilhã e Pinhel, as mais importantes, Macedo de Cavaleiros, Castelo Branco e outras, e ainda numerosas juntas judaicas (como a de Lagoaça, que falarei mais adiante), em aldeias e vilas do Nordeste, Douro e Beiras. (…) O infame processo contra o capitão Barros Basto e a perseguição do “Estado Novo” ao movimento da “Obra do Resgate”, levou a que nos anos 40 as sinagogas de judeu marranos fechassem as suas portas uma a uma, e as comunidades se desagregassem como instituições organizadas”.
(Continua na próxima edição)