A opinião de ...

Literal e Metaforicamente Falando

Ainda que possa parecer um tema pouco excitante, por, de certa forma, não ser uma prioridade do dia a dia do leitor comum, julgo, no entanto, apropriado trazer hoje aqui um exemplo de como o uso consagrado da língua – um dos responsáveis pela normatização do erro -, consegue “dicionarizar” palavras e expressões que, à luz da gramática , estão em completo desacordo com os princípios por ela fixados.
Quando, pois, dizemos “literalmente”, referimo-nos a um advérbio de modo, que, sendo o oposto/antónimo de “metaforicamente” ou” figurativamente”, tem o significado de “conforme a letra”, “real”, “objectivo”, etc. É o chamado sentido denotativo, em que as palavras, as orações ou os períodos são utilizados no sentido exacto, não havendo lugar a outra interpretação ou leitura, senão a que nos é dada pelo valor (básico) semântico dos elementos frásicos do acto comunicativo.
A conhecida e excelente jornalista da TVI, Joana Latino, destacando a importância do turismo na economia nacional, reportava, num dado serviço noticioso, o seguinte: “A baixa lisboeta foi literalmente invadida por espanhóis”. Ou seja, a repórter sugeriu que os nuestros hermanos tinham ocupado, através dum ataque bélico, pelas armas, a capital do reino. Felizmente a ocupação foi metafórica. Literalmente, a última invasão foi em 1580 (?).
José Alberto Carvalho, o reputado pivot da SIC, referindo-se a uma das últimas vitórias do actual campeão de fórmula 1, Lewis Hamilton, dizia: “O piloto Inglês esmagou literalmente a concorrência”. Ainda bem que nós, utilizadores da língua, temos a competência linguística de, perante um dado contexto, atribuir o adequado valor semântico às palavras. Se assim não fosse, no caso em apreço, podíamos pensar que se tratava duma tragédia. O “esmagamento” foi poético, metafórico/simbólico/figurativo.
O gongórico comentador da SpotTV, Luís Freitas Lobo – que partilha com o famigerado cantor Quim Barreiros o cognome de “poeta do povo” -, num jogo de futebol entre Sporting e Benfica, realçava, desta forma, a importância do ex número 8 e capitão da equipa de Alvalade: “Bruno Fernandes leva literalmente a equipa às costas”. Mais um caso de incongruência semântica: o homem que pretende intelectualizar a linguagem do futebol devia querer dizer “metaforicamente”. Sim, porque tal façanha, no sentido literal, é humanamente impossível.
Num outro jogo de futebol, um certo catedrático da bola (não consigo precisar o nome), descrevia, desta forma, uma jogada de golo iminente, em que o guarda – redes da nossa selecção consegue, “in extremis”, negar o golo ao adversário: “Rui Patrício tirou literalmente o pão da boca ao adversário”. Não, o muito que Rui Patrício podia ter feito era tirar metaforicamente o pão da boca, porque esta expressão popular tem o significado de impedir que alguém realize algo que estava prestes a acontecer. E foi literalmente o que aconteceu. Que se saiba, as regras actuais do futebol ainda não contemplam a possibilidade dos atletas ingerirem o alimento bíblico ou beber uma cervejola durante o jogo!
Mas não é por estes modismos linguísticos que os males vêm ao mundo. Como é costume dizer-se, o que interessa é ter saúde!

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