A opinião de ...

Algumas reflexões sobre as Legislativas 2022

Se as últimas Legislativas trouxeram algumas surpresas, a maior de todas foi, sem dúvida, a maioria absoluta do PS, que todas as sondagens apresentavam como impossível. Houve ainda outros resultados que, sem serem propriamente uma surpresa, vieram trazer uma nova configuração ao quadro parlamentar da Assembleia da República.

1 - Se quisermos analisar e compreender as causas destes fenómenos, julgo que poderemos apontar mais que uma justificação. Quanto à maioria do PS, por exemplo, acho que a opinião pública demonstrou não se sentir confortável com a instabilidade política resultante do chumbo do Orçamento de Estado por toda a oposição. Não sendo um fenómeno inédito na vida política nacional, os portugueses demonstraram, mais uma vez, que gostam da democracia, mas não gostam de andar, todos os anos ou ano sim ano não, a votar para a Assembleia da República e, consequentemente, para a formação de novo governo, não tanto pelo incómodo da votação, mas sobretudo pelos custos daí decorrentes para a economia nacional e para a vida das pessoas.
Por outro lado, os 6 anos de governação do PS tornaram possível o que Passos Coelho apregoava como impossível: devolver rendimentos aos portugueses e, simultaneamente, controlar o défice das Finanças Públicas. De facto, a política económica de Passos Coelho assentou sempre no pressuposto de que a única forma de conseguir a recuperação económica do país consistia numa austeridade extrema, além da exigida pela troika. Ora, o governo de António Costa demonstrou o contrário, porque conseguiu, simultaneamente, devolver rendimentos aos portugueses e baixar o défice das Finanças Públicas, chegando a ter um saldo positivo no último ano antes da pandemia, o que nunca tinha sido alcançado após o 25 de abril. Foi com esses resultados que Mário Centeno chegou a presidente do Eurogrupo.
Por estas razões, associadas ao facto do aumento significativo do salário mínimo, o tradicional eleitorado da área do PS, do PCP e do BE não entendeu a decisão destes 2 últimos partidos em se associarem a todos os outros partidos da oposição, Chega incluído, para provocarem novas eleições. Daí que alguns eleitores, normalmente pouco motivados para votarem, desta vez tenham optado por sair do comodismo da sua indiferença eleitoral por sentirem a necessidade de expressar o seu apoio ao governo de António Costa, castigando simultaneamente os seus parceiros da «geringonça», por mais que estes gritassem aos 4 ventos que o PS era o único responsável pelo chumbo do Orçamento de Estado, na Assembleia da República, e pela subsequente queda do governo.
Uma outra razão pode residir no facto de o eleitorado português ver com bons olhos a maneira quase sempre calma, pachorrenta, tolerante e até paciente como António Costa lida com os outros líderes partidários, sendo sobejamente conhecido pelo seu feitio de «negociador implacável» e de «unificador», como foi caracterizado na comunicação social internacional.

2 – Uma outra nota a salientar nos resultados eleitorais, assenta no facto de o CDS não ter conseguido eleger nenhum deputado nos círculos em que concorreu sozinho. A esse respeito, podemos dizer que a atual direção de Francisco Rodrigues dos Santos limitou-se a dar a estocada final num partido que já, anteriormente, tinha dado sinais de cansaço eleitoral, talvez por se manter demasiado ao centro, confundindo-se assim com o espaço do PSD e não dando a devida importância ao sector do seu eleitorado mais à direita, que, agora, se congregou, pelo menos provisoriamente, no Chega e no Iniciativa Liberal.

3 - A subida do Chega não é propriamente uma surpresa, porque, pelo menos desde as presidenciais, essa tendência era anunciada. O eleitorado do Chega não tem propriamente um quadro ideológico definido, mas alimenta-se duma forma de estar na política e na vida com base num temperamento de agressividade para com o Outro, não tolerando a diferença, nem reconhecendo o direito à divergência, como acontece nos EUA de Trump e dos seus apoiantes e noutros países, desde a França dos Le Pen à Alemanha e à Áustria da extrema-direita.
A isso acresce a vontade de vingança de alguns dos seus militantes em relação a outros partidos em que já militaram e que não lhes deram a importância que eles julgavam merecer. Daí que vários dos seus dirigentes já tenham passado por outros partidos, em que não conseguiram vingar.

4 – A estagnação do PSD em número de deputados, que as sondagens não prognosticavam, terá mais que uma causa. Por um lado, há que salientar a ambiguidade ideológica do PSD de Rui Rio que, em termos do sistema económico por si defendido, parece estar mais perto do liberalismo do que da social-democracia, querendo ocupar um espaço que o Iniciativa Liberal reclama para si. Por outro lado, o extremismo do Chega provocou alguma debandada entre alguns simpatizantes do PSD, que - por temperamento - se sentem mais à vontade com o discurso de crispação de André Ventura. Para lá de tudo isto, não se pode ignorar a austeridade, imposta por Passos Coelho, além do que a própria troika impunha, durante os seus 4 anos e meio de governo.
Como nota final e a título de curiosidade, refira-se o facto de o PSD ter tido em Bragança, pela 2ª vez consecutiva, a sua melhor percentagem a nível nacional, não obstante o PS ter eleito 2 deputados e o PSD apenas um.

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