A opinião de ...

A crise e as suas causas – 2

Depois de, no número anterior, termos focado algumas das causas internas da crise, analisemos, hoje, o modelo do Estado Social como potencial causa da actual crise.  

É frequente os liberais, defensores de um mercado livre e não regulado, insurgirem-se contra o Estado Social com o argumento de que a Segurança Social anda a sustentar vadios, preguiçosos, alcoólicos, toxicodependentes, ciganos, etc., etc. Isso faz com que, dizem eles, a SS não seja sustentável financeiramente a médio e longo prazo, o que vai gerar uma situação em que os actuais trabalhadores, sustentáculo da SS, não terão possibilidade de receber as reformas para que descontaram durante toda a vida.

Em relação a estes argumentos, temos de ser claros. Não é o modelo do Estado Social em si que está falido, são os abusos desse Estado Social que o tornam falido. Aqueles que falam dos abusos no Rendimento de Reinserção Social atrás referidos, mantêm-se calados quanto a outros abusos. Porque é que nunca falaram, por exemplo, do abuso que é Mira Amaral receber uma pensão de 18 mil euros, porque era esse o vencimento que tinha quando se reformou de administrador da Caixa Geral de Depósitos, onde esteve apenas durante cerca de 3 anos? Porque é que a sua reforma há-de incidir sobre o último vencimento e não sobre os descontos que fez ao longo da sua vida contributiva? Também não falam do facto de alguns políticos, como a presidente da Assembleia da República, ter direito a uma reforma quando tinha apenas 47 anos de idade apesar de só ter descontado para a Segurança Social durante pouco mais de 20 anos. Assim como não falam de alguns ex-deputados receberem uma indemnização vitalícia de alguns milhares de euros, que acumulam com outras reformas ou outros chorudos vencimentos, tendo descontado apenas muito poucos anos. 

De igual forma, não se fala das acrobacias que os governos têm feito com o dinheiro da SS para conseguirem os seus objectivos políticos. Foi o que aconteceu com a integração dos Fundos de Pensões dos bancários na Caixa Geral de Aposentações, o que será um negócio ruinoso para a SS a médio prazo, como os economistas dizem. 

E podíamos falar ainda do jeito que dá o dinheiro da SS para comprar fidelidades, subserviências e votos com os subsídios que se distribuem sem critério a Lares de Idosos, Centros de Dia ou outras instituições do género. Muitas vezes a pobreza é um bom instrumento para escamotear a compra de votos.

Há abusos por parte de alguns trabalhadores que metem baixas fraudulentas para fazerem alguns biscatos, ou realizam trabalhos clandestinos para não descontarem e poderem continuar a receber o subsídio de desemprego? Sem dúvida que há. Há desempregados que preferem continuar a receber o subsídio de desemprego a aceitar um emprego, porque o valor do subsídio e o valor do vencimento é sensivelmente igual? Sem dúvida que sim. Há ciganos que vão receber o RSI em bons carros e aldrabam a SS? Sem dúvida que há. No entanto, uma coisa são os abusos existentes no modelo do Estado Social, outra bem diferente é o modelo do Estado Social em si. Não há abusos e erros no sistema judicial? Sem dúvida que sim. Mas isso não significa que acabemos com o sistema judicial.

Por isso, o modelo do Estado Social, em si, não só não é intrinsecamente perverso, como é intrínseca e absolutamente necessário numa sociedade moderna que se preze e tenha o mínimo de respeito por si e por todos os cidadãos. Como dizia Ramalho Eanes, não é admissível que uma sociedade minimamente evoluída e civilizada fique indiferente perante a fome e o desemprego não desejado de tantos dos seus cidadãos.

Em conclusão: combatamos os seus abusos, mas preservemos o modelo do Estado Social.

 
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