A opinião de ...

Vamos falar a sério em salvar o Interior?

Por estes lados do Nordeste Transmontano, a semana arrancou com o anúncio de medidas salvadoras do Interior do País. O Primeiro-Ministro, António Costa, esteve em Bragança a anunciar dois programas que prometem escancarar as portas das zonas mais despovoadas do país, o Trabalhar no Interior e o +CO3SO (Mais Coeso).
As contas são simples. À disposição estão 426 milhões de euros, que terão um impacto estimado de 665 milhões de euros de investimento e permitirão a criação de cerca de 4 200 postos de trabalho, através da criação de emprego e da atração de pessoas para o Interior.
“A forma essencial de desenvolver o interior, de fixarmos as populações no interior e de atrair população para o interior é criar emprego”, disse o Primeiro-Ministro.
Antes de mais, sublinhe-se o óbvio da declaração. É como dizer que para sobreviver precisamos de respirar.
Mas até que ponto estas medidas vêm trazer o oxigénio que o Interior precisa e ser mais do que um paliativo enquanto as regiões fora do eixo Lisboa-Braga definham?
Mais do que anúncios, estas zonas que representam mais de 80 por cento do país e que concentram menos de 20 por cento da população precisam de ação. A começar pela do Estado.
Durante anos, a política a que se assistiu, dos vários partidos que passaram pela cadeira do poder, foi precisamente no sentido contrário. Esvaziar o resto do país de competências, concentrá-las em Lisboa e Porto, que levou, por arrasto, milhares de pessoas do Interior para o litoral do país.
Quando se esvaziaram serviços da Segurança Social, Saúde, Educação, Justiça, tiraram-se oportunidades de valorização profissional a quem cá estava, que passou a ter de ir para Lisboa se quisesse passar da mediania em termos de carreira na Função Pública. E novos serviços que foram sendo criados continuaram, sucessivamente, a ser concentrados nos locais de maior pressão demográfica, aumentando a pressão sobre os recursos existentes, enquanto no resto do país vemos estruturas sobredimensionadas. Quantas cidades apostaram na sua modernização (como Bragança) e que têm estruturas urbanas (transporte, água, esgotos, saúde) para o dobro ou o triplo da população que servem?
Concretamente, quando se esvaziaram competências nos Centros Distritais de Segurança Social, por exemplo, concentrando em Lisboa o poder de decisão, afastou-se o Estado das populações, eliminando cargos de topo na administração local.
Já quando foi criado um centro de conferência de receitas eletrónicas, um serviço de ‘backoffice’ que emprega centenas de pessoas e que, graças à informatização da sociedade, pode estar situado em qualquer ponto do país, o local escolhido foi a “periférica” cidade da Maia.
Quando se fala na desconcentração de serviços de Lisboa para outros pontos do país, como aconteceu com a tentativa frustrada de levar o INFARMED para o Porto (que foi mais uma desconcentração de quem fez o anúncio do que seria uma desconcentração real de serviços), fala-se na questão dos funcionários que já têm as suas vidas estabilizadas na capital.
É verdade.
Mas, sobre isto, lembro-me de duas coisas. Do exemplo da Irlanda, que apostou forte na desconcentração do Estado, incluindo Ministérios inteiros e respetivas direções gerais, atribuindo um apoio a cada funcionário que trocasse de cidade, tendo criado um organismo próprio por quem passava todo o processo de mudança.
Também me traz à memória os funcionários que trabalhavam no Interior, como os dos tribunais que encerraram, por exemplo, e que foram obrigados a deslocalizarem-se sem que ninguém se preocupasse com os custos que essa mudança teria para as suas vidas pessoais. Quem fala de tribunais fala de serviços e agricultura, veterinária, saúde, etc.
À partida, a intenção do Governo é boa. Por princípio. Mas, na prática, o impacto é duvidoso, até porque estamos a falar de programas que dependem de fundos comunitários, que exigem comparticipação estatal, que muitas vezes acaba cativada.
Para além disso, dirige-se apenas aos que, estando no litoral, são atraídos para o Interior. E os que já cá estão? Os que foram resilientes o suficiente para recusar abandonar estas terras, quando tantos outros tiveram ou escolheram fazê-lo?
Por outro lado, são vários os mecanismos à mão do Estado que permitem passar das palavras aos atos, houvesse coragem de o fazer. Descontos fiscais para quem mora e trabalha no Interior, para quem investe no Interior, para quem tem filhos no Interior. Veja-se o caso das barragens, por exemplo, que produzem cá a eletricidade que abastece o país, gerando impostos que, depois, são canalizados apenas para Lisboa.
De facto, António Costa tem razão. É preciso criar emprego e fixar pessoas no Interior.
Mas as medidas são como os chapéus, há muitas… é preciso saber distinguir entre as que têm efeito prático das outras.

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